terça-feira, 11 de março de 2014

Nosso Lar não corresponde a mundos superiores


A ilustração parece a inauguração de um novo shopping center numa área nobre de alguma cidade. Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, por exemplo. Até parece um desses desenhos do novo estabelecimento a ser construído e inaugurado em breve.

Mas não é. Trata-se de um desenho feito através de computador da suposta "cidade espiritual" de Nosso Lar, que o "espiritismo" brasileiro tenta nos fazer crer ser a concepção de mundos superiores no plano espiritual.

Ele até tem ônibus, o chamado "aerobus", e tem até moeda corrente e tudo. Se o espírito fizer boas ações, ganha os tais "bônus-hora", que lhe dá direito até a fazer compras num supermercado ou ir a um cinema. Uma espécie de cartão de crédito. Simples assim, né?

A pretensão futurista de Nosso Lar veio na onda das obras literárias de ficção científica, já que a obra foi publicada pela primeira vez em 1944, quando o médium-estrela, ou digamos anti-médium (por não assumir papel intermediário no "espetáculo" espírita) Chico Xavier, usando o nome de André Luiz, ainda enfrentava processos judiciais movidos pela família de Humberto de Campos.

No entanto, a obra nem de longe chega a ser tão instigante quanto, por exemplo, 1984, de George Orwell, lançado em 1948 e que, este sim, é um livro que aborda a opressão política de maneira contundente, embora menos sutil do que as manobras políticas que acontecem no mundo politicamente correto de hoje.

A narrativa de Nosso Lar é confusa, e não consegue explicar por que um mundo supostamente superior é ameaçado de ser invadido por espíritos extremamente inferiores, mesmo quando protegida por uma enorme fortaleza (?!) munida de cerca de arame farpado (?!?!), já que na época não se falava ainda em cerca elétrica, evocada por espiritólicos mais contemporâneos.

Mas, para piorar, Nosso Lar, sendo uma ficção científica ruim, no entanto é tido como um relato "realista" e "verídico", como se fosse a "verdadeira realidade espiritual" supostamente vivida pela estranha figura de André Luiz, no fundo uma criação em quatro mãos de Chico Xavier e Waldo Vieira, da mesma forma que os cassetas Hubert Aranha e Marcelo Madureira criaram o jornalista Agamenon Mendes Pedreira.

Com isso, somos levados a acreditar que a tal colônia espiritual descrita no livro é um exemplo de "mundos superiores", embora seja localizado próximo à orbe terrestre, mais precisamente sob um confuso Estado do Rio de Janeiro (na época incluindo também o antigo Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro), o que contraria bastante a lei de atração.

Afinal, a colônia Nosso Lar não pode ser considerada mundo superior porque se encontra na fronteira de lugares atrasados, cuja sintonia espiritual não está preparada para assimilar valores e espíritos de lugares realmente superiores.

Nosso Lar simboliza uma abordagem materialista de um ambiente surreal e "fantástico" que junta a um só ambiente hospital, internato, presídio, refeitório e outros ambientes ligados a um cenário ao mesmo tempo moralista e assistencialista.

A residência Savoye, localizada em Poissy, na França e concebida pelo arquiteto Le Corbusier em 1928 (a obra foi concluída no ano seguinte) e o ônibus GMC-Coach da extinta empresa carioca Viação Relâmpago, conhecido como "gostosão", de 1949, refletem concepções estéticas utilizadas no livro sobre a colônia Nosso Lar, de Francisco Cândido Xavier. 

Provavelmente, a concepção que se tem hoje do "aerobus" e da colônia Nosso Lar não é a mesma que a de 1944, época de um Brasil ainda predominantemente rural. Naquela época, provavelmente o Nosso Lar pareceria com as construções desenhadas pelo arquiteto Le Corbusier até então e o "aerobus" se assemelharia aos ônibus "gostosões" que circulavam na Zona Sul carioca.

A obra não traz qualquer tipo de realismo. Nosso Lar talvez corresponda a um mundo de outra dimensão, mas existem sérias lacunas na nossa compreensão terrena do mundo espiritual. O livro em nada acrescenta nas pesquisas científicas do que pode ser o mundo espiritual dentro de nossas concepções terrestres, apenas tomando como "verídica" uma suposição imaginária.

A obra se revela bastante materialista, não consegue explicar por que um mundo superior é vizinho de uma área bastante inferiorizada, e por que o sossego de um mundo superior chega a ser abalado até mesmo por uma greve de internos da tal colônia espiritual. São contradições que fazem Nosso Lar um livro confuso, surreal e delirante, portanto nada sendo de superior nem de verídico.

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