quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
Espiritolicismo Anedótico - I
Uma fictícia, porém, esclarecedora conversa entre o médico Carlos Chagas (1878-1934) e o escritor Humberto de Campos (1886-1934), a respeito da exploração de seus nomes pelos deturpadores da Doutrina Espírita no Brasil. Não, isso não é mediunidade, é um diálogo fictício mesmo, mas se ele é ficção na forma, ele no entanto traz uma mensagem bastante realista.
CARLOS CHAGAS - Prezado Humberto.
HUMBERTO DE CAMPOS - Sim, amigo Carlos!
CARLOS CHAGAS - Uma preocupação muito grande cerca a minha consciência, um tanto apreensiva. Andam falando que eu virei um tal de André Luiz, que nunca ouvi falar, um tal médico de bigode fino que soube através de terceiros que me avisaram de tamanho embuste.
HUMBERTO DE CAMPOS - É mesmo?
CARLOS CHAGAS - Sim, amigo. E eu posso garantir que não sou esse cara. Mas de que adianta? Inventam aquilo que chamam de "centro espírita", botam o nome de André Luiz e usam minha imagem assim sem licença, sem verificação, sem coisa alguma!
HUMBERTO DE CAMPOS - É verdade. Mas você, perto de mim, mais parece um sortudo. Pior é a minha sina, você nem imagina o fardo que eu tive depois que deixei a vida na Terra.
CARLOS CHAGAS - E qual foi o problema, afinal?
HUMBERTO DE CAMPOS - Simples, caro Carlos. Um certo mineiro, Chico Xavier, passou a virar meu bajulador, sendo um grande parasita a se aproveitar do meu nome e do meu prestígio.
CARLOS CHAGAS - Sim. Conheço esse Chico. Ouvi falar que esse tal André Luiz tem relação com o nome de um falecido irmão dele.
HUMBERTO DE CAMPOS - Isso. O que ocorreu foi o seguinte. Fui eu, ainda nos meus anos terrestres, resenhar meio com desconfiança um livro chamado Parnaso de Além-Túmulo, que o tal Chico lançou supostamente de mensagens espirituais de poetas falecidos, e eis que, depois de meu falecimento, o Chico passou a aprontar em torno de minha figura.
CARLOS CHAGAS - Que coisa grave!
HUMBERTO DE CAMPOS - E é grave mesmo, Carlos! Veja só! De repente veio um livro tolo, com narrativa um tanto infantilizada, chamado Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, e Chico jogou a obra para minha autoria. Eu não seria capaz de escrever um livro desses!!
CARLOS CHAGAS - Isso é uma coisa séria. E nós não temos mais controle sobre nossas vidas, e, de vez em quando, vem gente inventar qualquer coisa que nós não fizemos nem teríamos coragem de fazer.
HUMBERTO DE CAMPOS - Pois é. Pois o lamentável documento causou a maior confusão entre meus entes queridos, que deixei ainda prematuro, aos 48 anos, ainda na metade de minha missão de ativo colaborador de nossa cultura. Esse Chico foi para os tribunais, porque minha esposa e dois de meus filhos desconfiaram do conteúdo e do teor do livro em questão.
CARLOS CHAGAS - Sei desse episódio. Isso deu a maior confusão, mas o juiz não entendeu a coisa, e como estava alheio a esse negócio de obras de espíritos do além, ele deu como improcedente a questão, dando num empate.
HUMBERTO DE CAMPOS - Sim, empate! Juridicamente falando! Mas a vitória acabou sendo de Chico Xavier e seus tutores de uma tal de FEB, e desde então Chico não parou de pegar no meu pé!!
CARLOS CHAGAS - Não foi aí que Chico e o pessoal dessa FEB decidiram mudar o nome do "seu" Humberto de Campos para Irmão X?
HUMBERTO DE CAMPOS - Foi, sim, e isso foi uma piada de muito mau gosto!! Eu havia escrito textos com o codinome Conselheiro XX. Eu senti que Chico estava gozando da minha cara. E aí passou a fazer coisas horríveis usando o meu nome ou me colocando o tal nome de "Irmão X".
CARLOS CHAGAS (rindo) - Você pode apostar que só não colocaram Irmão XX porque iria fazer trocadilho com uma gíria infantil chamada "xixi", porque aí pegaria muito mal, não é mesmo?
HUMBERTO DE CAMPOS - Só faltava isso. E Chico me usou até para fazer acusações levianas a respeito de uma tragédia de um circo, em Niterói, muitos anos depois de meu falecimento, e botou sob minha responsabilidade a calúnia de dizer que os pobrezinhos, mortos num ambiente que deveria ser de alegria, teriam sido cidadãos romanos sanguinários!!
CARLOS CHAGAS - Isso é muito ruim para as famílias que perdem seus entes queridos, e são obrigadas a aceitar que as vítimas são as culpadas. É um absurdo essa tal doutrina que criaram, esse Chico que me chama de André Luiz e que atua ao lado de um tal de Waldo, que criou uma religião esotérica e delirante que ele pensa ser ciência.
HUMBERTO DE CAMPOS - Waldo... Waldo... Ah, sim, o Waldo Vieira. Um desses sujeitos que depois têm um surto e criam seitas místicas ao seu bel prazer. Dizem que tudo que se diz de André Luiz saiu da mente do Waldo.
CARLOS CHAGAS - Foi, mas em parceria com Chico, que aceitou a brincadeira.
HUMBERTO DE CAMPOS - A triste lição disso tudo é que às vezes não conseguimos zelar pelas imagens de nós mesmos depois que falecemos.
CARLOS CHAGAS - Não, mesmo. E eles ainda usam o pretexto de superioridade espiritual para fazer o que bem entenderem de nós.
HUMBERTO DE CAMPOS - Sou muito mais conhecido por essas obras fantasmagóricas mesquinhas, registradas levianamente em meu nome, do que pelo que eu produzi enquanto eu passava os meus dias no solo terrestre.
CARLOS CHAGAS - E eu, então? Fora a doença que descobri, o "mal de Chagas", que é o que meus colegas denominaram minhas descobertas, não obtive mais reconhecimento, eu que lutei muito pela saúde pública e pelo combate às doenças que eliminam tantos pobres desprevenidos, abreviando sem necessidade seus já poucos anos de missão na Terra.
HUMBERTO DE CAMPOS - Enquanto isso, os que usam nossos nomes de maneira fútil se esbanjam em desavergonhadas, porém não assumidas, presunções, se achando íntimos de pessoas falecidas que no fundo eles nem conhecem direito, mas somente na forma superficial de leigos que se informam sobre os históricos dos famosos.
CARLOS CHAGAS - E eles ainda ficam com os louros, com a palavra final e, acima de tudo, com a adesão de fanáticos aos quais o menor questionamento lhes tira a paz de espírito, voltando-se com rancor e violentas ironias contra seus contestadores.
HUMBERTO DE CAMPOS - E são essas pessoas que juram que são completamente tomadas da mais pura energia de amor, mas que reagem às adversidades feito bestas-feras. Pasmemos nós dois, diante de tantos absurdos.
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