quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

A falsidade ideológica como uma prática "espírita"


Num mundo, e, sobretudo, num país como o Brasil, em que pouca cautela se tem para verificar certos fenômenos aparentemente desconhecidos, a falsidade ideológica acerca das supostas mensagens mediúnicas ocorre de maneira preocupante.

Só mesmo observando as contradições e equívocos, alguns deles bastante sutis e pouco perceptíveis para leigos e admiradores superficiais de personalidades ou mesmo pessoas falecidas, para perceber a grande fraude que existe nessas mensagens "de amor, caridade e consolação".

Diante de um contexto de muita incompreensão, é muito fácil os médiuns usurparem as identidades dos falecidos apenas com um conhecimento superficial de suas personalidades. Seja através de espíritos imitadores, se houve mediunidade, ou da imaginação enganadora, se a mediunidade não ocorreu, exploram-se os clichês dos perfis dos falecidos.

E como se dá essa falsidade ideológica, que em muitos casos consegue arrancar o deslumbramento irredutível de muitos fiéis, que aceitam os piores erros históricos, comportamentais etc só por causa das "lições de amor".

Em primeiro lugar, o aparente médium consulta-se vagamente a biografia do falecido de sua preferência. Uma apreciação que não aprofunda, mas se baseia no que a mídia mais acessível informa a respeito das personalidades que os falecidos haviam sido.

No caso de Raul Seixas, há o conhecimento superficial dos sucessos do cantor que os leigos (que não necessariamente entendem a rebeldia roqueira do cantor baiano) ouviram, pais conservadores que aceitam algumas canções dele, como "Gita", "Metamorfose Ambulante", "Sociedade Alternativa", "Há Dez Mil Anos Atrás" e "Carimbador Maluco (Plunct Plact Zum)".

Só que, num dado ponto, desconhece-se sutilezas ou mesmo outros aspectos da vida do falecido. Ainda no caso de Raul, desconhece-se, por exemplo, que o cantor baiano deixou de ser místico já mesmo no começo dos anos 80, quando deixou de ser o místico relativamente esperançoso para ser um cético desiludido com os rumos do país.

Isso Nelson Moraes não se deu conta. As supostas mensagens de Raul mostravam ainda um místico ainda mais religioso, e um tanto abobalhado e infantilizado. A um só tempo, Nelson, ou o espírito imitador de quem ele se serviu, pensou mais no Raul estereotipado em "Gita" e "Carimbador Maluco", se esquecendo do que realmente ocorreu.

Raul Seixas encerrou a vida com um humor mais cínico. Ele não podia mudar do cético corrosivo e pessimista dos últimos anos para o infantilizado esotérico religioso das supostas mensagens espirituais.

Isso mostra o quanto a mensagem mediúnica do tal "Zílio" na verdade não passou de uma imitação de alguns clichês de Raul Seixas conhecidos por pessoas não-roqueiras, ligadas a famílias conservadoras, das quais se insere o "médium" Nelson Moraes, que nem de longe pode ser considerado um "especialista em Raul Seixas".

Da mesma maneira, Humberto de Campos, com sua erudição intelectual, não iria escrever uma bobagem como Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, que narra a História do Brasil com linguagem de conto de fadas e sob o ponto de vista dos piores livros didáticos, desses que se amontoam em sebos sem que viva alma - ou mesmo a turma do além - tivesse interesse em comprar ou sequer pegar de graça.

Humberto de Campos, da mesma forma que o generoso e alegre Santos Dumont - mas que se deprimiu ao ver o uso bélico de seu maior invento, o avião, contribuindo para seu suicídio - , não iriam acusar, na cara dura, inocentes vítimas de tragédias de terem sido romanos sanguinários, até porque nem todo brasileiro viveu no Império Romano em outras encarnações.

Numa observação cautelosa, a ação de supostos espíritos ilustres, atribuídos a pessoas que aqui viveram, ao caírem em contradição em diversos aspectos, por menores que sejam, é suficiente para ser considerada uma fraude, seja de espíritos imitadores, sejam de supostos médiuns imitadores.

Esqueçam as "mensagens de amor", as "lições de caridade", os "bons ensinamentos". Isso porque, se um espírito atribuído a um ente querido ou a um famoso contradizer em algum aspecto de personalidade ao que o indivíduo em questão foi em vida, isso representa desonestidade, o que é grave, pois não há desonestidade que resista a doces e meigas palavras de conforto e carinho.

Infelizmente, o "espiritismo" brasileiro se alimenta dessa falsidade ideológica para vender livros, atrair fiéis, como uma propaganda enganosa temperada em supostas palavras de amor que seduzem as pessoas. Verdadeiras fraudes são aceitas, até com certo fanatismo, por causa de dóceis palavras, pelas pessoas que acabam sendo vítimas dessa "bondade" retórica de letras vivamente mortas.

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