quarta-feira, 11 de outubro de 2017
Neuroses sociais e as cobranças desmedidas do "alto da pirâmide"
É muito fácil cobrar de quem não está no alto da escala social. Ordenar para outros "meterem a cara", como se mandasse os peixes darem um salto até a copa de uma árvore, sem observar condições e limitações nesta vida caótica em que os privilegiados lutam para manter as antigas vantagens sociais hoje em declínio.
O grande problema é que quem está em cima não quer ceder, não quer abrir mão de vantagens, estabelece critérios sociais restritivos, são impiedosos diante do clamor alheio mas pedem sempre misericórdia aos seus atos abusivos.
A sociedade conservadora é obrigada a rever seus valores e ver que o sonho de recuperar os velhos paradigmas sociais de 40 anos atrás, quando vigorava uma "democracia controlada" na qual os privilegiados tinham mais e os infortunados tinham menos e o poder do mercado e da política regulava essa desigualdade social para manter num parâmetro mais "equilibrado", como se fosse uma desigualdade social "sustentável".
O sonho de retomar tudo isso está ruindo. Nem a mídia mais reacionária pode aceitar certos preconceitos sociais, como os que envolveram uma performance com um artista nu, sem apelos eróticos, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Ou discutir questões se as escolas devem ensinar várias religiões, ou a religião de sua escolha, ou se as aulas de religião seriam facultativas aos estabelecimentos de ensino em geral ou à frequência de cada aluno.
Tudo isso está ruindo, embora setores como os movimentos reacionários em torno do político Jair Bolsonaro ou a antiga confiança dos "espíritas" em derrubarem obstáculos, se achem capazes de sobreviver às transformações dos tempos. Mas até eles se encontram obsoletos e desgastados, o que lhes obrigam a forçar as mudanças dos tempos e se imporem às custas da catarse coletiva que existe nas redes sociais.
É só ver, no caso dos "espíritas", a página do Facebook "Espiritismo no Brasil". A comunidade, situada num universo em que predominam abordagens equivocadas da sociedade,mas impostas como "verdades indiscutíveis" - o fenômeno da pós-verdade - , é um amontoado de "memes" igrejistas. "Meme" é um arquivo de imagem no qual há uma mensagem qualquer.
Na comunidade "Espiritismo no Brasil", observa-se frases de profundo apelo igrejista, trazidas não só de personalidades "espíritas" como Chico Xavier e Divaldo Franco, mas também de Madre Teresa de Calcutá. Mensagens de Allan Kardec trazidas de traduções igrejistas da FEB e IDE, que substituem "doutrina de Jesus" por "doutrina do Salvador" e "Deus" por "Pai", são publicadas, em que, praticamente, nenhuma contribuição útil se dá para a compreensão da essência da Doutrina Espírita.
Hoje o Brasil vive uma grave crise na qual as instituições acham que sairão incólumes. O velho, o podre e o obsoleto costumam forçar sua resistência aos novos tempos, e não raro novidades são diluídas para se adaptarem a velhas essências, em vez de rompê-las.
No Brasil, há o cacoete de se permitir que o "novo" seja jogado fora. É um país onde naturalmente se aceita morrerem, ainda que na flor da idade, personalidades de grande contribuição inovadora no âmbito artístico, cultural e científico. Mas é também onde se tem muito medo de ver morrer, de repente, homicidas ricos e impunes.
Fala-se que, em era de pós-verdade e fake news, a mídia estaria escondendo os óbitos de homicidas ricos, talvez para evitar convulsões sociais (embora divulgar tais mortes cause menos barulho que a morte de um petista), por mais que o homicida tenha tido grande repercussão com seu crime. Além disso, para o "bem da sociedade", obituários de famosos só devem incluir pessoas de alguma admiração, como se o obituário do Wikipedia fosse algo próximo das listas do prêmio Nobel.
A sociedade mantém seus preconceitos sociais. A Justiça mantém sua seletividade tendenciosa. A religião, com suas fantasias, a supremacia do bem, reduzindo a bondade humana a um rótulo relacionado à fé e aos estereótipos de caridade, que, na verdade, correspondem à prática pouco eficaz do Assistencialismo, caridade meramente pontual cujo maior resultado é a propaganda pessoal do benfeitor de ocasião.
O mercado de trabalho parece exigir que o profissional seja um misto de Malvino Salvador (ao mesmo tempo galã e viril), Danilo Gentili (ao mesmo tempo piadista e irônico) e Galvão Bueno (fanático por futebol e com certo apelo populista). As empresas mais parecem preocupadas em exigir alguém que possa "interagir com os colegas", sem necessariamente ter talento profissional, embora a exigência de experiência profissional continue prevalecendo, e de forma muito rígida.
Os concursos públicos parecem exigir um Einstein e há o problema dos "robôs" que, ao fazer a leitura ótica dos cartões de provas, ainda cometem margens de erro que podem pôr a perder candidatos com maior vantagem de pontos, abrindo caminho para outros com bem menos vantagens.
Pais que cobram demais dos filhos sem perceber suas condições e limitações. A romantização do sacrifício humano, que no caso da retórica masculina paterna, ganha verniz de pretensa objetividade, sacrifica demais os mais jovens que, na corrida do emprego e da vida social, encontram obstáculos difíceis de serem superados, até mesmo com muita fé, muito esforço e muito jogo de cintura.
Estamos numa sociedade cujos privilegiados não sabem o que querem. Mesmo no machismo feminicida, os homens demonstram não saber o que realmente querem das mulheres que matam, e eles mesmos não demonstram afeto nem carinho, se desleixando ao desprezar os troféus humanos que suas mulheres simbolizam para eles. Enquanto ninguém as tira deles, tudo bem.
Os privilegiados, aliás, exigem muito por nada, cobram demais sem saber realmente para que servem tais cobranças. As mulheres também não sabem o que querem dos homens na vida amorosa e não raro elas, sob o pretexto de evitarem homens de personalidade desagradável, acabam atraindo para si homens de melhor poder aquisitivo, maior prestígio social, mas com a mesma personalidade desagradável que elas lutaram para evitar.
Casos como altruísmo e despretensão se tornaram raros. E, no surto neoconservador existente no Brasil, os preconceitos e atrocidades sociais voltaram a entrar em alta. O "topo da pirâmide" acumula bolor e mofo tóxico e arde em chamas em seus aposentos, mas, por enquanto, tudo parece aparentemente "sob controle". Mas hoje as questões humanas se multiplicam e muitos agentes e instituições sociais hoje tidos como imunes podem mostrar também sua vulnerabilidade.
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