segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Morte de Farah Jorge Farah expõe fragilidade dos feminicidas

FOTOGRAFIA IRÔNICA MOSTRA O EX-MÉDICO E FEMINICIDA FARAH JORGE FARAH SAINDO DE UM CONDOMÍNIO. A IMAGEM DIANTE DAS GRADES DA PORTA DE ENTRADA PODE SER CONFUNDIDA COM GRADES DE PRISÃO.

O suicídio de Farah Jorge Farah, ex-médico que em 2003 esquartejou uma amante, em São Paulo, depois de ter recebido sentença de prisão em regime fechado, revela a fragilidade de homens que matam mulheres, sejam elas suas companheiras, amantes ou apenas amigas e colegas de trabalho, por conta de algum ciúme doentio.

Numa sociedade bastante conservadora como a brasileira, casos de feminicídios vêm crescendo de maneira assustadora, atingindo sobretudo regiões como João Pessoa, Vitória, Goiânia, São Paulo (e as cidades do interior de seu Estado).

Contraditoriamente, a grande mídia denuncia mas "protege" os feminicidas, eventualmente definidos como "pessoas simpáticas" como se ainda pudessem ser os "bons partidos que os pais desejariam para suas filhas". É ilustrativo, por exemplo, o caso de Antônio Pimenta Neves, cujo crime de homicídio contra sua ex-namorada Sandra Gomide, em 2000, nunca foi publicado nas retrancas "policiais", mas nas retrancas de "Brasil" ou "país", relacionada aos fatos políticos de âmbito nacional.

Outro caso surreal é a reportagem sobre o crime que matou a socialite Ângela Diniz, por uma combinação de ciúme doentio e aparente homofobia (Ângela teria tido um caso com outra mulher) do empresário e "playboy" Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, no final de 1976.

As coberturas do caso na imprensa, nos últimos anos, não noticiam o paradeiro do empresário, com o passado de intenso tabagismo e consumo de cocaína que fazia preocupar os amigos já em 1977 e que faziam crer que Doca não iria chegar aos 60 anos de idade. Ele, aliás, fumou os mesmos cigarros que mataram um who is who de celebridades brasileiras e estrangeiras que tiveram evidência nos anos 1970.

Oficialmente, o paradeiro de Doca é o mesmo de 2006. Não há uma menção oficial de que ele estaria fazendo tratamento com câncer, o que, por razões lógicas, deveria ser uma doença que o acompanhasse há, pelo menos, 30 anos. Nada se comenta a respeito, mas não ocorreu a habitual "nova entrevista" com ele, que de dez em dez anos em relação à época de seu crime era entrevistado para "explicar" os motivos do assassinato. Machista ainda tem vez até para falar a sua "verdade".

Mas os anos passam e em 2006 até figuras como Paul Walker e Heath Ledger e, no Brasil, o ator José Wilker - que, provavelmente, morreu por consumir um terço do que Doca teria consumido em cigarros - também estavam vivos e em evidência. No primeiro semestre de 2006, Bussunda também estava vivo e saudável na estreia de mais uma temporada de Casseta & Planeta Urgente.

Doca parece ser a celebridade brasileira que muitos moralistas têm medo de associar a alguma sina trágica. Algo como Charles Manson nos EUA. No começo deste ano, o líder da macabra seita "hippie" que matou, entre outros, a atriz Sharon Tate em 1969, sofreu um gravíssimo problema de saúde, tendo sido noticiado como "extremamente frágil", aos 82 anos de idade. Depois dessa notícia, nada se disse a respeito.

Num contexto amalucado da grande mídia, em que páginas de fake news se multiplicam como "satélites" da grande imprensa reacionária - ela, apesar de seu suporte "empresarial" e sua conduta "profissional", está cada vez mais voltada para factoides, mentiras e juízos de valor - , Street e Manson perigam se tornar sujeitos do que a Semiótica poderia muito bem definir como "não-mortes" ou "não-tragédias".

Não é ofensivo dizer que homicidas de algum status e projeção social significativos possam morrer um dia. Como também não é ofensivo dizer que eles podem adoecer gravemente um dia, ou morrer prematuramente, se for o caso. Ainda mais se eles é que criam, em seus organismos, condições para contrair doenças, sofrer acidentes trágicos etc.

A sociedade conservadora é que tenta defini-los como "fortes", acreditando que um ato de tirar a vida de outro é apenas um "desabafo", com alguma "motivação", e depois o criminoso fica calminho e se torna um "cara legal". No caso dos feminicidas, há setores da sociedade que os defendem sob a desculpa da "defesa da honra masculina" ou da punição a quem "trai os valores da Família e do Amor (sic)".

Esse conservadorismo permitiu até que um comercial sobre uma marca de televisão, transmitido nos intervalos do Jornal Nacional, fizesse apologia ao feminicídio. Um menino, na saída de um cinema, gritava: "A mocinha morre no final. E quem matou foi o marido!". Denúncias obrigaram a marca a cancelar o comercial, em 1994, muito antes da palavra "feminicídio" ser adotada pelo movimento feminista.

Os feminicidas ricos agem tomados por um acúmulo de tensões psicológicas que os fazem explodir de ódio, tremer de medo e cometer imprudências aqui e ali. Como cometem homicídios sabendo do erro que isso significa e dos danos que podem causar, sofrem as consequências mais pesadas, e procuram viver "socialmente sedados", evitando qualquer incômodo, tentando (em vão) viver mais sossegados que os familiares das vítimas, traumatizados com tão violentas perdas.

Em muitos casos, há o envelhecimento físico evidente. No julgamento de 1981 que o livrou da cadeia, Doca Street já estava visivelmente envelhecido para seus 47 anos, parecendo 20 anos mais velho até para os padrões da idade na época, quando não se imaginava que homens desta idade tivessem a aparência de "garotões" de hoje em dia.

Recentemente, foram divulgadas imagens recentes com o juiz paulista afastado Marco Antônio Tavares, condenado por ter assassinado a esposa em 1997 e que recebe uma remuneração de R$ 27,5 mil, mesmo depois de deixar o cargo. Ele estava visivelmente envelhecido para seus 62 anos de idade. Até o cantor Kid Vinil, falecido na mesma idade, parecia mais jovial.

Há muitos casos dando indícios de fragilidade dos feminicidas, conjugais ou não. Enquanto estava foragido antes de ser incluído nas listas da Interpol, o promotor Igor Ferreira, que mandou matar a esposa Patrícia Longo, em 1998, apresentava, segundo testemunhas, sinais de abatimento físico e magreza extrema. Ao deixar a cadeia em 2016, o pai do promotor disse que o filho "estava bem", soando como aqueles eufemismos que sugerem que "alguém está doente e precisa de repouso".

Os feminicidas conjugais não têm um levantamento oficial para definir o nível e a frequência das tragédias que eles sofrem. Infere-se que os feminicidas têm apenas 80% de expectativas de vida dos brasileiros comuns, e que as tragédias associadas a feminicidas são, além do suicídio, o infarto, o câncer e os acidentes de trânsito. Em certos casos, eles também podem ser assassinados por outros.

O que se pode concluir é que a atitude de certos homens de tirar as vidas de suas mulheres encontram raízes nos valores conservadores e nas desigualdades sociais. Casais errados se formam pelas conveniências sociais, e valores machistas ainda prevalecem até no imaginário de mulheres com algum senso de feminismo. O machismo procura se impor pela violência, mas não consegue esconder também o seu lado trágico e frágil. O caso Farah Jorge Farah é um precedente disso.

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