terça-feira, 15 de agosto de 2017
Protestos de Charlottesville e a tese da "Data-Limite" de Chico Xavier
No último fim de semana, um grande protesto de grupos neo-nazistas reunidos numa praça em Charlottesville, contra a retirada da estátua do combatente confederado e escravocrata Robert E. Lee, proposta pela prefeitura dessa cidade do Estado da Virgínia, nos EUA, põe em xeque as perspectivas otimistas, sobretudo da parte do "espiritismo" brasileiro.
A manifestação, no contexto dos EUA, reflete uma onda ultraconservadora que mostra uma inclinação de muitos jovens a movimentos obscurantistas. A adesão de jovens a grupos terroristas e entidades fascistas atinge índices assustadores, revelando não só um aparente descontentamento com os rumos da sociedade contemporânea e o fracasso de muitos ideais progressistas, como também a "noção de novidade" que certas causas retrógradas apresentam para quem tem menos de 45 anos.
Outro protesto, de negros e outras minorias sociais que fizeram uma "muralha humana" no campus da Universidade da Virgínia, também ocorreu e houve confronto entre as duas manifestações, com a polícia tentando resolver a situação, prendendo vários agressores.
O ápice nem se deu pelas multidões saindo à noite marchando e segurando tochas, lembrando os primórdios do tenebroso movimento Klu Klux Klan (cuja sigla KKK chama a atenção por coincidir com a grafia das risadas dadas pelos chamados "fascistas mirins" na Internet).
Ele se deu quando o jovem neo-nazista, James Alex Fields Jr., que dirigia um carro, avançou sobre uma multidão de manifestantes anti-fascistas, ferindo vários deles, causando uma vítima fatal, a ativista Heather Heyer, de 32 anos. A morte dela rendeu comparações com a da deputada britânica Jo Cox, assassinada em 2016 por um neo-nazista inglês, que está preso, como no caso de Fields Jr..
Fields Jr. teve o pedido de liberdade condicional sob fiança negado porque a defensoria pública se recusou a defender o preso. A recusa se deu porque uma das vítimas do atropelamento foi um familiar de um funcionário da Defensoria Pública, o que fez a Justiça local exigir que Fields Jr. arrume um advogado de defesa.
O lamentável episódio ocorreu nos EUA e, aparentemente, nada contradiz em relação à suposta profecia do "médium" Francisco Cândido Xavier, sobre a tal "data-limite" que supostamente prevê um período de turbulências e regeneração espiritual.
A "profecia" tem valor factual duvidoso, é cheia de erros de abordagem geológica (como o Chile ser poupado de uma onda de explosões vulcânicas no Círculo de Fogo do Pacífico) e sociológica (pressupõe que eslavos migrem para o calorento Nordeste brasileiro, se esquecendo que os eslavos, ao chegar ao Brasil no século XX, escolheram a região Sul) e nem todos os seguidores de Chico Xavier acreditam nessas "previsões", trazidas por Geraldo Lemos Neto.
Da nossa parte, consideramos que Chico Xavier teria feito tais "profecias", sim, porque em outras ocasiões, como em livros "psicográficos" e na entrevista ao programa Pinga Fogo, na TV Tupi, em 1971, ele teria dito coisas semelhantes. Além disso, a "profecia" segue o ideal de "coração do mundo" e "pátria do Evangelho" que Xavier sempre desejou ao Brasil.
Dois aspectos, porém , revelam o equívoco e o risco da "profecia" do anti-médium mineiro. Um é que o protesto neo-nazista de Charlottesville foi apoiado por muitos internautas nas redes sociais, que citaram sobretudo o ídolo deles, Jair Bolsonaro. No Brasil, também há a ascensão de grupos fascistas. Uma suposta organização, intitulada "International Klans", espalhou folhetos colados em vários lugares em Niterói, Estado do Rio de Janeiro.
Isso contraria a tendência de que o Brasil se tornaria "mais progressista" num contexto destes. É verdade que existem também muitos brasileiros condenando o episódio, mas o cenário sócio-político dominado por forças conservadoras que retomaram o poder em maio de 2016 revela a ascensão de forças sociais retrógradas e reacionárias, que tomaram as rédeas numa pauta socialmente mais excludente e obscurantista.
Os próprios "espíritas" parecem complacentes com esse cenário, até demonstrando, mesmo sem assumir no discurso, o apoio ao governo Michel Temer e aos grupos reacionários que comandaram a onda ultraconservadora. Um deles, curiosamente, é denominado "Revoltados On Line", incluído entre outros "iluminados" (como o Movimento Brasil Livre e o Endireita Brasil), que os "espíritas" atribuíram como "articuladores do processo de regeneração da humanidade no Brasil".
Mas existe também, sob uma outra abordagem, o risco da ideia do "Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho" rumar para um projeto tirânico, combinando teocracia com imperialismo. Ideias de religiões dominantes, como o Catolicismo medieval, e de um poder político centralizador, como tentou ser a Alemanha nazista, são um grave alerta disso.
Alegações de que a "pátria do Evangelho" não representará essa ameaça por causa da vocação de "tolerância" dos "espíritas" são verossímeis, mas bastante perigosas. Afinal, os "espíritas" brasileiros já revelaram, por outro lado, a inclinação de fazer juízo de valor e a atribuição de "resgates morais" para justificar os prejuízos de outrem.
Com o "espiritismo" brasileiro cada vez mais voltado à Teologia do Sofrimento e cada vez mais caminhando para ser uma versão rediviva do velho Catolicismo jesuíta e medieval, que vigorou no período colonial, também podem impulsionar para esse dado sombrio da doutrina igrejeira. A experiência do Catolicismo da Idade Média, também anunciada com belos pretextos, é um bom alerta à humanidade.
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