quinta-feira, 10 de agosto de 2017
"Espiritismo" e os tesouros e títulos da Terra
Os "espíritas" deveriam olhar para si mesmos, já que se preocupam com o argueiro dos olhos dos outros e se esquecem das traves dos seus próprios. No "Correio Espírita" deste mês, uma matéria fala das "novas necessidades da civilização", entre elas a de abrir mão de "tantas necessidades", como as dos títulos e tesouros da Terra.
Cada vez mais voltado para a Teologia do Sofrimento, corrente medieval da Igreja Católica, o "espiritismo" brasileiro, há muito catolicizado - apesar das bajulações, carregadas de muita hipocrisia, a Allan Kardec e seus relacionados - aos moldes do velho jesuitismo medieval, sempre apela para os outros abrirem mão até mesmo de quase tudo.
Se depender das pregações "espíritas", estaríamos reduzidos a animais domésticos que apenas demonstram afeto e simpatia para outrem, se alimentando talvez de algum verde e algum alimento qualquer nota e nos preocuparmos apenas a sobreviver e olhar a paisagem.
Seríamos, neste caso, um misto de cachorrinhos obedientes e fofos, de avestruzes a baixar a cabeça o tempo todo e de papagaios a apenas reproduzir os sons dos outros. A razão, a ética, a transparência e a sinceridade são apenas "pequenos" e, talvez, "desnecessários", detalhes.
Os "espíritas", sintonizados com o governo Michel Temer - ao qual nunca declararam apoio oficial, mas subliminarmente comprovam estarem solidários a ele - , sempre estão pedindo para os sofredores aceitarem sua coleção de desgraças, "na esperança de um futuro melhor", pouco se importando com os sobressaltos, infortúnios, angústias, impasses e tragédias por eles sofridos.
A ênfase do sofrimento desmascara os "espíritas", que se vangloriam pela suposta fidelidade absoluta a Allan Kardec, mas o traem de maneira bastante cruel e irresponsável. A apologia do sofrimento humano, que está na pauta de quase todas as obras "espíritas", é uma herança não dos postulados originais de Kardec, mas dos delírios católicos trazidos por Jean-Baptiste Roustaing.
E aí se tem o apelo de "abrir mão de tudo". Há apelos como "O rapaz quer uma mulher de caráter e inteligência? Que aceite aquela periguete burra e ensine coisas a ela!" ou "A moça quer um príncipe encantado e só chegou aquele rapaz sombrio que já cometeu um feminicídio? Seja complacente ao olhar tristonho dele e seja sempre submissa a ele" que são dados aos montes nas "casas espíritas".
Mas o "espírito de renúncia" os "espíritas" apelam para os outros. Pimenta nos olhos dos outros é refresco. Quanto aos "espíritas", eles mesmos esquecem que seus maiores ídolos são os mais afoitos e privilegiados na coleção de títulos e tesouros na Terra.
O que pensar nos "médiuns" que excursionam pelo planeta, vendo as maiores relíquias turísticas das grandes capitais do Brasil e do mundo, se hospedando nos melhores hotéis, fazendo plateias para ricos e posando ao lado de juristas, autoridades e aristocratas, enquanto a "revolucionária caridade" que dizem praticar traz resultados tão medíocres e inexpressivos para a população carente?
A glorificação que marcou as carreiras de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Franco, dois grandes deturpadores da Doutrina Espírita, que publicaram livros cujos conceitos e ideias causam arrepio de tanto contrariarem os postulados espíritas originais, é bastante ilustrativa desses tesouros e títulos terrenos.
O próprio Chico Xavier, católico medieval protegido de Antônio Wantuil de Freitas (então presidente da FEB) e, dos anos 1970 até a posteridade póstuma de hoje, blindado pela Rede Globo de Televisão como se fosse um Aécio Neves da filantropia, colecionou medalhas e títulos concedidos pela sociedade elitista.
E Divaldo Franco, então? Um sujeito ainda mais espertalhão, mas "santificado" pela sua habilidosa pose de mansuetude, delicadeza vocal e pedantismo, sempre passeando pelo mundo como um pretenso ativista social, enquanto sua "admirável caridade" nunca ajudou sequer 1% da população brasileira, é ainda mais afoito na coleção de tesouros e títulos da Terra.
Só os dois anti-médiuns, que se consagraram pelo culto à personalidade, colecionaram medalhas, diplomas e condecorações por causa de uma imagem de "caridade" que, embora cause deslumbramento a muita gente, nunca trouxe resultados profundos para a humanidade, constituindo no que especialistas definem como a técnica fajuta do Assistencialismo, uma "caridade" que serve mais para promover o "benfeitor" do que ajudar de verdade os mais necessitados.
O mito de que Chico Xavier "doou os direitos autorais para a caridade" é hipócrita. O que o "médium" fez foi deixar os direitos autorais para Wantuil e depois, quando este se aposentou, Xavier criou um jogo de cena fingindo ter se decepcionado com o uso de suas obras "mediúnicas" para alimentar os interesses comerciais da federação.
Chico Xavier apenas não tocava em dinheiro, mas sempre viveu de um considerável conforto e tinha a blindagem das elites e dos grandes empresários de mídia. Desde os anos 1970 Xavier tornou-se um protegido da Rede Globo, conhecida pela manipulação traiçoeira do inconsciente coletivo das pessoas, a ponto de impor costumes, modos de ver o mundo e, principalmente, os políticos que o povo brasileiro deveria amar ou odiar.
É como os maiores aristocratas fazem hoje. Chico abriu um precedente: não gostava de tocar em dinheiro. Hoje os mais ricos pregam a "morte da moeda" e se servem de um cartão eletrônico para pagar suas contas, criando uma movimentação financeira "invisível" e feita apenas dentro dos bancos.
A própria "moeda" do livro Nosso Lar, de 1943, o chamado Bônus-Hora, lembra um cartão de crédito. Serve para o uso do transporte (BRT?), para ir ao cinema, para comprar alimentos. Se é certo que muito suposto pioneirismo atribuído a Chico Xavier é grosseiramente duvidoso, há um "relativo pioneirismo" no caso dos cartões de crédito, que na época era um artigo de luxo para fregueses de estabelecimentos comerciais, serviços e instituições financeiras.
Neste sentido, o Bônus-Hora era um cartão de crédito "universalizado", numa obra de ficção não-assumida que foi lançada numa época em que até a classe média tinha que pagar as coisas usando "dinheiro vivo", pois a popularização do cartão de crédito só se deu a partir da segunda metade da década de 1950 e, no Brasil, do começo da década seguinte.
Quanto aos títulos, Chico Xavier e Divaldo Franco, além dos prêmios que recebiam das elites e das autoridades, também recebiam títulos informais e um tanto hipócritas como "sábios", "mestres" e até "filósofos", "intelectuais" e "pensadores". Mas até a denominação de "espíritos iluminados" e "símbolos do amor ao próximo" também se inserem nesse contexto de títulos terrenos, movidos pelas paixões religiosas, tão materialistas e mórbidas quanto os chamados gozos materiais profundos.
E AS FORTUNAS DO ALÉM-TÚMULO?
O que poucos conseguem cogitar é que também existe a ilusão das "fortunas do outro lado". É como se os "espíritas" adiassem seu materialismo para o pós-morte. Evocam o "espírito de renúncia", com sua pretensa humildade e falsa modéstia, e saem pregando a defesa do sofrimento alheio prometendo o "socorro de Deus na hora certa (sic)".
O problema é que, entre os "espíritas", existe uma ânsia muito grande do "acesso ao Céu", depois do retorno ao que eles entendem como "pátria espiritual". Com suas crendices místicas, acreditam que o retorno ao mundo espiritual será como no desembarque de um aeroporto, onde algumas pessoas queridas lhe aguardam para receber o desencarnado dentro de um cenário de um "chão de nuvens brancas" e um céu sempre azulado, como num paraíso de filme de Hollywood.
Em relação a uma figura como Divaldo Franco, já existe até a narrativa de seu retorno ao além-túmulo, toda pronta: uma grande cerimônia, com corais de anjos, autoridades de vários planetas, cerimônia de discursos e concessão de medalhas e prêmios, e além disso Jesus tendo que comparecer ao evento para chamar o "médium" para ir ao convívio definitivo com Deus. É bom demais para ser verdade que isso possa ser assim, ainda mais envolvendo um deturpador grave do Espiritismo.
Asneiras semelhantes a esta já foram narradas a respeito de Chico Xavier. Uma narrativa supôs que ele estava com sua mãe e alguns amigos antes falecidos, até que veio Jesus para chamar o "médium" para o "mundo dos puros" e Xavier foi "sugado" como um espectro por um aspirador de pó. Narrativa ridícula, até porque o anti-médium mineiro, em verdade, levou um grande choque ao saber que nada disso ocorreu e que, alertado por seus graves erros, já deve ter reencarnado para pagar pelo que fez.
Isso é um jogo de linguagem e psicologia. E revela uma ilusão tão pior quanto os materialismos da Terra. Uma ilusão de que tesouros e títulos "verdadeiros" existam no "além-túmulo", o que representa uma transferência da ambição humana para "o outro lado". A roupagem de "humildade" e "pureza espiritual" não isenta os efeitos nocivos que se nota no materialismo terreno e isso traz até uma sensação ainda pior nos "espíritas" que encerram sua vida material.
Pois, quando eles retornam ao além-túmulo, eles são os que mais sentem choques, extremamente violentos e traumatizantes, diante da desilusão de que o "outro lado" não lhe oferece sequer os descontos de futuras reencarnações expiatórias.
O materialismo é transferido para o mundo espiritual, mas a realidade do além-túmulo lhes decepciona, de forma que os verdadeiros umbrais são apenas reflexos das desilusões dos "espíritas", considerados apenas "puros" ou "quase puros" em função das mesmas paixões materiais da Terra, muito mal disfarçadas por um espiritualismo de fachada.
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