sábado, 3 de junho de 2017

Retórica "emotiva" faz brasileiros serem reféns do "espiritismo" deturpado


Os brasileiros se tornam reféns do "espiritismo" deturpado praticado no país. Os apelos retóricos adotados pelos deturpadores, armadilhas pouco percebidas no Brasil, revelam a grande dificuldade de superar a deturpação roustanguista, porque mesmo o processo de recuperação das bases doutrinárias de Allan Kardec foram praticamente apropriados por seus próprios deturpadores.

A retórica "emotiva", baseada no chamado "bombardeio de amor" - uma overdose de apelos sentimentais que parecem "mensagens positivas e amorosas", mas são sutis e traiçoeiros processos de dominação e manipulação das mentes humanas - , começa a ser questionada no exterior, mas no Brasil ainda é vista como "mimimi" de gente "de mal com a vida".

O Brasil é mais vulnerável às armadilhas que lá são assunto de teses acadêmicas. A overdose de informação, a glamourização da pobreza, a espetacularização da sociedade, tudo isso é largamente questionado, sem risco de colocar modismos em xeque.

Aqui, onde as monografias acadêmicas valem mais pela forma do que pelo conteúdo, com textos mais arrumados na sua roupagem "científica" e sem qualquer tipo de questionamento ou análise, ninguém questiona coisa alguma, aceitando as piores armadilhas como se fossem "coisas maravilhosas".

No "espiritismo" brasileiro, a sua prevalência é motivada por apelos aparentemente positivos, que conseguem dominar uma parcela de céticos, pela forma engenhosa que se trabalha. É uma aparência de positividade e beleza, mas que esconde terríveis e perigosos processos de dominação, havendo perversos jogos de interesse arrivistas por trás.

Esses apelos são o Ad Passiones, numa das modalidades mais perigosas, o "bombardeio de amor" (em inglês, love bombing), e o Assistencialismo, ambos aparentemente positivos, agradáveis e que muitos acreditam ser "genuinamente positivos" e "socialmente saudáveis", mas consistem em armadilhas que servem para forçar o apoio das pessoas a arrivistas de qualquer tipo.

O "bombardeio de amor" é um truque discursivo no qual pessoas ou instituições tentam atrair a vítima com um excessivo apelo de mensagens amorosas, sentimentos afetivos etc. O sujeito não lhe conhece e acolhe você com uma afetividade tão exagerada que você, geralmente com alguma fraqueza emocional, se rende facilmente a esse apelo, sem desconfiar que é um truque para seu dominador buscar alguma vantagem por trás disso.

O Ad Passiones, como um todo, é definido por analistas conceituados como um tipo de falácia. Entende-se como falácia uma transmissão de ideia mentirosa como se fosse uma verdade indiscutível. O Ad Passiones virou moda através do fenômeno da pós-verdade, que influiu na vitória inesperada de Donald Trump e da saída da Grã-Bretanha da União Europeia, o "Brexit".

Mas, no Brasil, a pós-verdade teve no "médium" Francisco Cândido Xavier um de seus maiores pioneiros. Deturpador maior do Espiritismo e um dos mais graves, Chico Xavier era um católico ortodoxo que se tornou instrumento dos interesses comerciais da FEB e que virou um pretenso filantropo através de um discurso apelativo armado pela Rede Globo em parceria com a federação, como forma de competir com os pastores eletrônicos R. R. Soares e Edir Macedo.

Chico Xavier foi, numa só pessoa, a expressão do love bombing e do Assistencialismo, que também é considerado um apelo tendencioso e traiçoeiro, embora ele se apoiasse sempre num paradigma de pretensa bondade que muitos pensam ser autêntica e espontânea.

O que se deve lembrar é que o Assistencialismo é um apelo que consiste numa pretensa caridade que em nada resolve de forma aprofundada e definitiva. É uma "caridade" que não mexe nos privilégios abusivos das elites, que acham essa prática até boa, porque assim eles podem despejar roupas velhas, alimentos vencidos e comprar mantimentos de marcas ruins e baratas demais.

O que chama a atenção no Assistencialismo - cujo maior exemplo, na TV brasileira, é o apresentador Luciano Huck - é que se trata de uma "bondade" que traz resultados medíocres, mesmo quando resultam em relativa emancipação social dos necessitados. Ela expõe mais o "benfeitor", glorificado pelo pouco ou quase nada que faz, e com isso se vê que o Assistencialismo é uma "caridade" que só serve para promover o "benfeitor" do que trazer benefícios, que são inexpressivos.

Esse é um dos maiores problemas que fazem com que a deturpação do Espiritismo nunca se desfaça. A "ressalva" de que os supostos "médiuns", que deturparam tudo da Doutrina Espírita, "no entanto vale pela bondade que trazem", sempre representou a complacência com os deturpadores, a ponto de se acreditar que os deturpadores "poderão aprender melhor" os postulados espíritas originais.

Existe, no Brasil, a mania de acreditar que a raposa, quando bem treinada, tenha condições de zelar pelo galinheiro. Mas, assim como a raposa tem a fome natural de devorar galinhas e galos ao seu acesso, o deturpador do Espiritismo tem seus interesses arrivistas por trás do aparente apelo da "bondade", da "caridade", dos "bons sentimentos" e das "mensagens de amor".

O que os brasileiros, que se revoltam com tais questionamentos, não percebem é que, se questionamos figuras como Chico Xavier e Divaldo Franco, é com base nos alertas do espírito Erasto, difundidos há muitas décadas. São alertas que dificilmente agradariam as pessoas que acham mais cômodo serem dominadas pela emotividade fácil do que desfazer fantasias diante do menor escrúpulo da Razão.

E o Brasil, que sempre criminaliza socialmente o ato de raciocinar, quando ele ultrapassa os limites dogmáticos e mitológicos a serem preservados (para os interesses de determinadas elites, vale dizer), se mantém refém da deturpação espírita, mais preocupada em proteger a reputação dos deturpadores do que em melhorar a humanidade sacrificando fantasias e falsidades sem sentido.

Só mesmo no Brasil para acreditar que o coiote irá cuidar melhor do rebanho ovino, à merce dos mais persuasivos apelos emocionais e aparatos pretensamente filantrópicos. Mas se o Ad Passiones permite transformar até um Jair Bolsonaro em "salvador da pátria", isso significa que os brasileiros terão que abrir mão de ilusões e fantasias que durante décadas permanecem no imaginário dos adultos. É mais difícil um adulto abrir mão da ilusão do que uma criança.

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