sábado, 3 de dezembro de 2016

O "movimento espírita" e seu moralismo roustanguista

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Para o "movimento espírita", a individualidade é um nada, um capricho de cada pessoa diante da brutalidade da matéria. No além-túmulo, destinamos a ser um gado igrejista, a louvar Deus e viver numa fraternidade sem pé nem cabeça, como se toda encarnação fosse um mero flagelo.

No seu malabarismo de palavras bonitas, os "espíritas", sempre preocupados com a posse da verdade, tentam dissimular e dizer que o sofrimento é um "aprendizado", que "nenhum sofrimento é difícil de suportar" e até perguntam "o que são décadas de desgraças diante da eternidade de bênçãos?".

As palavras são belas, mas revelam um "holocausto do bem". Depois que Madre Teresa de Calcutá virou "santa" e "símbolo máximo de caridade" maltratando os alojados de suas "casas de caridade" e o Brasil regrediu politicamente em dimensões kafkianas - Dilma Rousseff mais parecia um personagem de O Processo - , a gente pergunta se o mal dos tiranos fascistas não foi apenas justificar suas atrocidades com palavras mais amorosas.

O Brasil vive sua Idade Média, desde que uma parcela da sociedade não se curou do saudosismo doentio pela Era Geisel, e um verdadeiro mutirão de setores sociais retrógrados agiu para tirar Dilma do poder e colocar, no seu lugar, o vice Michel Temer, que no fundo gostou da marcha-a-ré histórica promovida pela sociedade patrimonialista e patriarcalista.

"Espíritas" comemoram achando que a ridícula passeata do 13 de Março de 2016 (que culminou uma série de outras passeatas ocorridas no ano anterior) foi o começo de um "período de regeneração". No entanto, eles são incapazes de explicar por que, nestas passeatas, havia gente defendendo a volta da ditadura militar, manifestantes mostrando os glúteos nas ruas, e pessoas defendendo o assassinato de petistas, além de exibições de suásticas nazistas.

Que manifestações podem ser consideradas"regeneração" se são movidas pelo ódio? Um dos movimentos participantes desse "despertar da humanidade" se chama Revoltados On Line. Partidos políticos bem mais corruptos que o PT financiaram essas organizações e os manifestantes que se diziam "apartidários" concorreram a cargos políticos e um deles, integrante do governo Temer, começa a aumentar a sua fortuna.

Isso é o que se observa no Brasil movido por preconceitos nunca superados. Movidos pelas aparências, as pessoas são induzidas a achar que Francisco Cândido Xavier, pela aparência de velhinho frágil que se consagrou para a posteridade, é "símbolo máximo de caridade", e Luís Inácio Lula da Silva, pela aparência robusta e roliça, é "comandante máximo da corrupção".

Quanto preconceito! O esperto Chico Xavier fazia pastiches literários, falava mal dos outros pelas costas (vide o comentário da "bobagem grossa" que ele, irritado - sim, isso mesmo - , falou dos próprios amigos de Jair Presente), defendia ideias retrógradas e professava a Teologia do Sofrimento, e no entanto sua legião de adoradores fanáticos atinge níveis preocupantes.

E Lula? Ele, mesmo com seus erros, procurou diminuir as desigualdades sociais, criar programas de inclusão social, fortalecer a nossa economia, estimular a autoconfiança dos brasileiros, e ainda pagou a dívida externa e fortaleceu as empresas nacionais. Mas é alvo do mais profundo ódio da sociedade, em boa parte a mesma que acha que Chico Xavier é "iluminado"!

O "espiritismo" é reflexo de um Brasil que, quando acolhe ou cria novidades, sempre elimina a essência original lapidando os valores novos de acordo com o que exigem os valores velhos, que deveriam estar obsoletos, mas são introduzidos nos fenômenos novos, que perdem seu caráter inovador.

Portanto, o "movimento espírita" é uma religião velha tardiamente introduzida, é uma dissidência da Igreja Católica que apenas pegou carona na Doutrina Espírita de Allan Kardec e a usou como fachada. Com todos os seus defeitos, alguns graves, o Catolicismo pelo menos pôde se transformar e rever seus valores, enquanto quem ainda acreditava no velho Catolicismo do Brasil colônia resolveu assumir o "movimento espírita".

A roupagem modesta deslumbra as pessoas. Sem a indumentária das batinas, sem o enfeite do ouro, sem as construções pomposas de igrejas, o "espiritismo" brasileiro tenta ser uma "resposta humilde" ao Catolicismo, embora seu caráter aristocrático nem seja tão disfarçado, principalmente pelo seu conteúdo moralista bastante severo.

É até inútil o "espiritismo" negar seu vínculo com o Catolicismo medieval. Vários livros de Emmanuel mostram essa falsa posição, porque a própria História registra que o "espiritismo" teve origem católica e acabou servindo de acolhida para espíritos retrógrados de jesuítas, irritados com o fim das atividades da Companhia de Jesus no Brasil, diante das despesas pesadas da Coroa portuguesa, ocupada em recuperar o país depois do trágico terremoto de 1755.

O Brasil desenvolveu sua religiosidade a partir da atuação dos jesuítas, que inseriram valores medievais e preconceitos sociais pesados, como o racismo e o machismo. Isso foi propício para o "movimento espírita" surgir dando preferência a Jean-Baptiste Roustaing em detrimento a Allan Kardec, reduzido a um mero coadjuvante menor.

Hoje Roustaing é renegado, mas sua lição, queiram ou não os "espíritas", prevalece até hoje. O roustanguismo, doa a quem doer, foi adaptado à realidade brasileira por Chico Xavier. E isso está muito claro nas ideias da bibliografia chiquista, não há motivo para os "espíritas" se sentirem incomodados ao ver seu adorado ídolo ser associado a um advogado francês repugnante.

A questão não é desmentir posturas, porque nunca se está sendo cruel quando se associa Chico Xavier ao roustanguismo ou se define ele e Divaldo Franco como "inimigos internos da Doutrina Espírita". Não há ofensa nem depreciação alguma nisso. Isso é uma constatação baseada nas ideias que eles descrevem, no conteúdo moralista que não pode ser negado mesmo quando dissolvido em palavras mais dóceis.

Não devemos nos contentar em aceitar o que alguém diz ser. Se alguém diz ser alguma coisa mas demonstra, na prática e nas ideias defendidas, o contrário disso tudo, então temos que aceitar esse sentido subliminar e questionar o posicionamento alegado no discurso.

Pouco importa o simulacro de progressismo que mascara os retrógrados, mesmo quando estes já estejam sentados no jantar dos progressistas. No caso dos "espíritas", que na prática atualizam o farisaísmo dos velhos sacerdotes do tempo de Jesus de Nazaré, pouco importa se seus membros renegam o roustanguismo se eles herdaram seus valores.

É só uma questão de atenção. Leiam com atenção e sem as paixões levianas do encanto religioso, e sem disfarçar as mesmas com um falso racionalismo, os livros de Chico Xavier, Divaldo Franco e derivados, e comparem com o que Allan Kardec escreveu em seus livros (recomenda-se as traduções, fiéis aos originais franceses, de José Herculano Pires e parceiros, publicadas pela LAKE).

Não há como não identificar contradições sérias e muitíssimo graves entre as ideias apresentadas por Xavier, Franco e seus consortes com os postulados kardecianos. E essas contradições não podem ser subestimadas, sob a desculpa de que "tudo é trabalho do bem", porque isso é permitir que a bondade esteja a serviço da irresponsabilidade, da fraude, da mistificação, da desonestidade mais impune.

O conteúdo ideológico popularizado por Chico Xavier e Divaldo Franco em seus livros e palestras é de um caráter retrógrado aberrante, para um país que só falta pedir o Nobel da Paz para Jair Bolsonaro. Um moralismo igrejeiro, ultraconservador, ritualista, místico e cheio de aspectos surreais, que são as "ideias excêntricas" que um preocupado Erasto, como espírito do além-túmulo, já havia alertado em mensagem de um médium a serviço de Allan Kardec.

Isso não é desaforo de quem odeia caridade. É uma constatação e um alerta, diante dos avisos de Erasto que foram deturpados ou desprezados pelo "movimento espírita", que vive a sua fase mais hipócrita, descaradamente mais desonesta, que é a postura dúbia, que na prática professa um estranho "roustanguismo com Kardec", misturando igrejismo com pseudo-ciência e esoterismo.

Daí a pregação moralista, calcada na velha Teologia do Sofrimento que era defendida por Madre Teresa de Calcutá. Uma espécie de PEC 241 da fé religiosa, em que o sofredor é aconselhado a abrir mão até do que mais precisa, restando a ele praticamente respirar e beber água, e isso quando os infortúnios não os atingem.

Num Estado como o Rio de Janeiro, em que jovens usam o cigarro como forma de ascensão social, mostrando sua arrogância tabagista com cigarros soltando sua fumaça tóxica pelo ar, nem respirar se tem direito, faz sentido o "espiritismo" acolher a Teologia do Sofrimento, que fez a Santa Teresa de Lisieux, no passado, se conformar com sua própria enfermidade, e fez Madre Teresa de Calcutá deixar seus assistidos morrerem sob falta de higiene e cuidados médicos e nutricionais.

Com um "condomínio espiritual" como um suposto prêmio para os sofredores resignados, a fictícia cidade de Nosso Lar, que os "espíritas" acreditam "existir mesmo" e se situar "em cima da cidade do Rio de Janeiro", o moralismo do "movimento espírita" é permitido por essa doutrina ser exercido com a sua mais cruel severidade, mas defendido com dóceis palavras dadas em tom paternal.

É como se alguém defendesse uma perversidade adotando um discurso bondoso. Imagine se um tirano cruel, em vez de seu jeito duro de brutamontes, adotasse uma fala macia, um semblante frágil, uma pose de coitadinho, e defendesse as mesmas coisas dos tiranos convencionais, só que dizendo palavras dóceis, supostas mensagens de amor e toda uma roupagem de bondade e caridade.

Se um carrasco tivesse uma postura paternal e dissesse a alguém que vai rumo a um holocausto; "É na pior de todas as desgraças que o sofredor atinge as graças plenas da vida futura"? E se dissesse "Que importa a gravidade e a desumanidade dos flagelos e martírios, com a eternidade a nos oferecer bênçãos e graças sem fim?", você veria bondade nisso?

É uma forma de alguém ser cruel e dar uma de bonzinho. Isso é fato. Se Madre Teresa deixou os doentes se contagiando, expostos uns aos outros, em alojamentos fétidos, mal alimentados, precariamente remediados e recebendo injeções de seringas contaminadas, e você entende o trabalho dela como "caridade máxima" e "exemplo supremo de amor ao próximo", melhor você marcar uma consulta com o analista.

O moralismo roustanguista, que defendia a encarnação como uma trajetória de sucessivos flagelos, como se fosse uma gincana militar para tentar um lugar no "céu", permanece intato no "espiritismo" brasileiro, por mais que ele bajule cientistas, fale de Allan Kardec, Erasto e de vez em quando adule até personalidades como José Herculano Pires e Deolindo Amorim (pai do jornalista Paulo Henrique Amorim).

Porque as práticas e o conteúdo das ideias valem muito mais do que posturas que tentem negá-los ou disfarçá-los. O moralismo do "movimento espírita", que nega a individualidade e despreza o tempo curto de uma encarnação, que deveria ser um trabalho de progresso e não de desgraças, revela esse caráter retrógrado. Quanto à herança de Roustaing, só temos que cobrar dos "espíritas" o seguinte: "Toma que o pai é seu!".

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