terça-feira, 1 de novembro de 2016

Por que certos sofredores acabam ficando mal-humorados?


As religiões, sobretudo o "espiritismo", não entendem por que muitos sofredores acabam reclamando muito da vida, vivendo com mau humor e angústias sem fim. Em seu juízo de valor, é muito fácil ignorar o sofrimento humano e dizer que o sofredor está de frescura e criando caso à toa.

Essa postura, aparentemente positiva mas que demonstra ser um terrível descaso, se observa mesmo até no legado de Francisco Cândido Xavier. Com suas palavras, Chico Xavier dizia para o sofredor "sofrer sem mostrar sofrimento", como se sua angústia ofendesse os outros.

Adepto da Teologia do Sofrimento, Chico Xavier era do tipo que culpabilizava a vítima. Se a pessoa demonstra angústia e tristeza, e, diante de dificuldades intransponíveis, vive de mau humor, ela é vista como "antipática", "intransigente" e "insuportável".

Muitos acreditam que essa visão é "generosa", mas é de um terrível e deplorável egoísmo. O que Chico Xavier quis dizer é que tenhamos que ser felizes à força, e aceitar os desígnios do "Alto", pouco importando se muitos de nós viram brinquedos das circunstâncias infelizes, sendo obrigadas a abrir mão até de sua individualidade para subir na vida.

Um conto sobre a "queixosa", que Chico Xavier escreveu juntamente com Antônio Wantuil de Freitas, mas sob o crédito de autoria levianamente atribuído a Humberto de Campos, revela esse egoísmo cruel e é uma apologia ao preconceito social contra as pessoas infelizes.

Dupla crueldade. Chico Xavier estimulando o desprezo a quem aparentemente "reclama demais" e lamenta servir de "capacho do Destino", e botando tudo sob a responsabilidade póstuma de Humberto de Campos, que já não estava vivo na ocasião para reagir a essa usurpação oportunista.

Que Chico Xavier pudessse ter suas opiniões, vá lá. Mas jogar suas opiniões pessoais para a responsabilidade de outras pessoas, como Auta de Souza, Humberto de Campos, Irma "Meimei" de Castro, Olavo Bilac e outros é de um cinismo sem tamanho e uma tarefa que rebaixa o anti-médium ao pior dos internautas que produzem fakes aqui e ali. Não é por acaso que Chico Xavier é endeusado nas redes sociais da Internet, até por ter sido o pioneiro dos fakes na literatura brasileira.

Mas indo ao nosso foco, o desprezo à individualidade que é o princípio do moralismo "espírita", que acredita que, no mundo espiritual, todos nós nos transformaríamos em servos da Igreja, tão "individualizados" e inócuos quanto passarinhos no bosque, ignora as razões e as raízes dos sofrimentos humanos.

É como no caso do suicídio, quando o "espiritismo" prefere criminalizar e depois fingir que estuda o problema, se esquecendo que ninguém se suicida por hobby e as dificuldades na vida se tornam extremas de tal forma que a medida do abandono da individualidade soa bastante perversa.

A encarnação é um período de prazo limitado no qual a individualidade é que precisa ser mais valorizada. Infelizmente, as desigualdades sociais diversas são toleradas e até aceitas pelas religiões, num contexto em que os privilegiados abusam de seus benefícios e possuem o que não necessitam e os desafortunados não possuem sequer o necessário.

É isso que faz com que pessoas reclamem demais da vida, quando nem o mais árduo esforço consegue superar uma dificuldade. Existem níveis de satisfação pessoal que devem ser respeitados e a complexidade da vida nunca é compreendida dignamente pelas religiões, sobretudo a "espírita", daí os conselhos simplórios, os juízos de valor e os apelos que mais soam uma negação à individualidade e às necessidades humanas.

Isso mostra o quanto falar é fácil no discurso religioso, um mercado de palavras bonitas que nem de longe resultam em atitudes concretas e espontâneas. O moralismo religioso acaba mostrando mais preconceitos e perversidades por trás desse belo desfile de palavras melífluas.

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