sábado, 16 de julho de 2016
A crise da hierarquia no Brasil é grave
O pior da crise brasileira não é a questão econômica. É a questão da hierarquia. A obsessão de uma parcela de brasileiros para que se retomem os padrões de sociedade controlada de 1974, dentro de valores patriarcalistas, patrimonialistas, economicistas, tecnicistas e outros, fez com que tivéssemos chegado ao confuso governo de Michel Temer.
A crise das hierarquias mostra o quanto o grande erro do Brasil foi sempre maquiar valores antiquados com o verniz de novidade, ou assimilar novidades que são deturpadas para garantir velhos procedimentos. O velho Brasil tenta dar seu rugido de leão ferido, querendo retroceder a humanidade na marra.
A falta de autocrítica e de vigilância dos privilegiados mostra o quanto quem está em algum nível alto de hierarquia social se incomoda quando contrariado. As transformações da humanidade nos últimos tempos revoltam a "boa sociedade" que, no seu mais recente e explosivo surto, querem agora um retorno ao Brasil da Era Geisel, quando o povo brasileiro estava, segundo a ótica conservadora, num "nível ideal".
As pessoas sempre evocaram valores de 1974 como "ideais". Nunca assumiram que o período que se dava entre o fim da Era Médici e o começo da Era Geisel como "anos dourados", da mesma forma que nunca declararam oficialmente que o "ideal" para o Brasil é uma combinação de "milagre brasileiro" com a "distensão geiseliana".
Mesmo a resistência machista sob diversos aspectos, como as ocorrências de estupros e feminicídios e, no lado lúdico, na prevalência de "mulheres-objetos", ganha um tempero ainda surreal quando até a imprensa tem medo de se preparar para Doca Street e Pimenta Neves morrerem, mesmo quando eles já estão muito velhos e com indícios de doenças graves causadas por antigos maltratos à saúde.
Só isso já indica o aspecto surreal da sociedade ainda marcada por valores patriarcalistas, que filtrava o feminismo recomendando que mulheres inteligentes tenham que estar necessariamente casadas e a solteirice só é recomendável para mulheres que só pensam em sexo e curtição. Se o Brasil ainda continua sendo desesperadamente machista, então a coisa está muito séria.
Projetos obscurantistas como o Escola Sem Partido, criada pelo advogado Miguel Najib em 2004, que pretendem censurar o trabalho dos professores e filtrar o projeto pedagógico para não afetar os preconceitos e fantasias religiosos, raciais e sociais da "boa sociedade", estão prestes a crescer em todo o país.
Tudo isso reflete um medo de quem "está em cima" de perder seus privilégios, seus totens, seus dogmas, e explicar todo esse colapso para as novas gerações? Como explicar, por exemplo, que homens que assassinam suas próprias esposas ou namoradas podem também morrer de câncer, de acidente de carro, de infarto ou baleado por um assaltante?
O Brasil tornou-se uma aberração porque acumulou aspectos retrógrados na sociedade. Sempre se filtrou novos valores com procedimentos velhos, como se passasse um verniz novo em madeira podre para fazê-la parecer madeira de lei.
Até mesmo nas famílias muitos pais não admitem ser questionados pelos filhos, mesmo diante de críticas construtivas. E os empregadores não conseguem mais esconder seus preconceitos sociais e seu alarmismo arrivista quando deixam de contratar empregados com talento comprovadamente diferenciado e expressivo.
Isso tudo ainda é acrescido pelo poder abusivo das empresas estrangeiras instaladas no Brasil, que investem pouco no país mas faturam de maneira exorbitante, com a habitual transferência de dinheiro faturado para suas sedes no exterior. E os brasileiros, tão tolamente, são forçados pela Rede Globo a acreditar que esse dinheiro todo foi roubado pelo PT!
Há gente rica demais e há gente ao mesmo tempo privilegiada e irresponsável. Ver um apresentador como Luciano Huck cometer gafes diversas, aparecendo até com "cigarrinho suspeito", conforme denunciou a jornalista Fabíola Reipert certa vez, passar incólume a tudo isso é muito assustador. Fora o amigo de Huck, o senador Aécio Neves, que cometeu um grave esquema de corrupção e sua impunidade tem até o apoio da grande mídia, que agora o esconde nos noticiários.
Se empresas estrangeiras e uma pequeníssima minoria de brasileiros detiveram a maior parte da renda produzida no Brasil, então a situação é grave. Mas o mais preocupante é que os brasileiros, em vez de verificar e reavaliar a realidade vivida, quer buscar velhas soluções, comprovadamente sem eficiência, para a crise nacional.
Seja consultando textos bíblicos vindos de péssimas traduções medievais, seja recorrendo a "remédios" como o golpe político, agora não mais praticado pelas Forças Armadas, mas pela atuação corrompida de setores do Poder Judiciário e do Ministério Público, o Brasil demonstra um medo descomunal de reestruturar valores e posições sociais há muito consolidados mas hoje em sentido cada vez mais perecido.
Forçam a barra querendo voltar a 1974 na marra, seja pela herança que o deputado afastado Eduardo Cunha já deixou adiantada para o governo Michel Temer (boa parte de seu projeto político é resultante das "pautas-bombas" do então presidente da Câmara dos Deputados), seja por movimentos obscurantistas como o Escola Sem Partido, seja o crescimento das seitas evangélicas, representadas no Poder Legislativo pela "bancada da Bíblia" e seus preconceitos sociais estarrecedores.
E é isso que uma parcela de brasileiros deseja para evitar que se reestruturem relações hierárquicas, resultando em toda sina de desordens e retrocessos, que já provam o quanto esses defensores da "ordem e progresso" querem para o país: um Brasil para poucos, para os detentores de privilégios, para garantir a concentração de terra, de renda, de poder decisório para pessoas que só pensam em si mesmas, deixando a maioria dos brasileiros à deriva nos seus infortúnios do dia a dia.
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