domingo, 26 de junho de 2016

Por que o apego aos retrocessos?

AÉCIO NEVES SAUDANDO MICHEL TEMER - Governo retrógrado e corrupto dos derrotados de 2014.

O que tem em comum o governo Michel Temer, os atentados numa boate gay em Orlando, a ascensão da extrema-direita na Europa e o fundamentalismo do Estado Islâmico? Em diferentes contextos, há um saudosismo perigoso de uma parcela da sociedade pedindo para voltar tempos de valores sociais mais retrógrados.

2016 se revela um ano problemático. Pessoas consideradas de alguma contribuição moderna para a sociedade, como o escritor Umberto Eco e o cantor David Bowie, faleceram. Em contrapartida, políticos idosos como José Sarney e Paulo Maluf se recusam a sair de cena e a sociedade patriarcalista e machista vive com medo de ver os feminicidas Pimenta Neves e Doca Street, com fortes indícios de doenças graves em estágio avançado, morrerem de repente.

Morreram também talentos promissores, como o ator Aaron Yeltchin e a cantora Christina Grimmie. É um ano em que cidades antes consideradas redutos de modernidade, como Paris e Rio de Janeiro, sucumbem a decadências vertiginosas, desafiando aqueles que ainda creem nessas cidades como "modelos" a serem seguidos pelas demais regiões. É também um período em que as mídias sociais (do antigo Orkut ao atual WhatsApp) mostra internautas cada vez mais retrógrados e ignorantes.

Além disso, há a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, complicando a integridade econômica, e, no Brasil, um confuso governo interino, que se pretende efetivo - Michel Temer fala em governar até o fim de 2018 - , com base numa agenda cheia de retrocessos e com uma equipe e base de apoio (neste caso com Aécio Neves, Eduardo Cunha e companhia) envolvida em escândalos de corrupção.

Há um grande apego aos retrocessos. Uma nostalgia doentia, que acaba criando em seus defensores um rompimento com a realidade, já que o radicalismo das convicções sociais faz com que muitos reajam contra princípios realistas, contra a lógica e contra a ética.

Retornam movimentos extremistas que vão desde o fundamentalismo religioso que reivindica uma volta às crenças de, pelo menos, dois mil anos atrás, até grupos que querem uma higienização racial para promover uma sociedade, pelo menos, de maioria branca. Há os plutocratas, os machistas, os racistas, os elitistas que também querem um mundo praticamente exclusivo deles.

No Brasil, um fato aberrante é a boa reputação que um encrenqueiro como Jair Bolsonaro tem para uma parcela considerável de brasileiros e a criação de movimentos como "International Klans", que espalhou panfletos em alguns lugares em Niterói. E há o medo do hesitante governo Michel Temer, a exemplo dos primeiros anos "frouxos" da ditadura militar, se converter em uma conduta ainda mais cruel e repressiva para a população.

Nos EUA, grupos racistas e homofóbicos eventualmente se manifestam, fora os atiradores de diversas origens que praticam chacinas em várias partes do país. O Klu Klux Klan, de triste lembrança, continua existindo. Na Europa, grupos de extrema-direita atraem adeptos em vários países, e um fascista de 52 anos assassinou uma parlamentar britânica que defendia a permanência do Reino Unido na União Europeia e depois foi preso.

As pessoas em geral perderam a noção da realidade, as mídias sociais incluem de reacionários doentios que praticam cyberbullying a fãs "afogados" nas suas fantasias que, contrariados com a realidade, querem matar seus ídolos.

A ilusão da "tecnologia de ponta" revela um caminho inverso da humanidade desinformada que, conhecendo vagamente fatos passados, sem fazer o discernimento necessário, acabam se interessando por eles e defendendo uma sociedade ainda mais retrógrada.

Um tempo em que mulheres eram coisas e machistas, deuses (daí que feminicidas, por exemplo, "nunca podem morrer"). Que patrões detinham o monopólio de decisão sobre os empregados. Que os aumentos de preços eram suportados como sendo decisões divinas. Que os tecnocratas sempre decidiam pelo povo, por pior que seja uma decisão. Que divindades e lendas guiavam multidões a seus templos de adoração. Que ruas só eram ocupadas por "brancos limpinhos e perfumados".

Mesmo a rebeldia é guiada para defender tais valores obscurantistas. Um "espírito do contra" que vê num retrocesso uma forma de catarse, um saudosismo obscurantista, um "medo da clareza" e um pavor do progresso, que faz com que os incomodados do Sol do futuro corram, ao mesmo tempo ferozes e assustados, ameaçadores e fugitivos, às suas "cavernas de Platão".

A coisa acontece de forma tão aberrante que, no Brasil, a chamada grande imprensa (Globo, Folha, Veja, Estadão) chega a impor sua visão míope das coisas, se revoltando quando jornalistas estrangeiros retiram a máscara do golpismo político do governo Temer e sua equipe de "notáveis" corruptos.

Um comentarista de Época, Guilherme Fiúza, chegou a cometer uma violenta gafe, publicando um texto no qual acusa o jornal estadunidense New York Times de ser patrocinado pelo PT. Fiúza "pagou mico" diante de correspondentes internacionais conceituados.

Recentemente, o empresário da Folha de São Paulo, Otávio Frias Filho, levou uma bronca de uma jornalista britânica que definiu a grande mídia brasileira como golpista e voltada aos interesses de seus donos. Graças a esse quadro (e de pistolagens que matam blogueiros e quem denunciar o coronelismo regional local), a ONG Repórteres Sem Fronteiras registrou que o Brasil caiu, de 2015 para 2016, de 99º para 104º lugar em liberdade de imprensa.

E quem imagina que o "espiritismo" está fora disso está enganado. A religião que se diz "futurista" e "esclarecedora" demonstrou, na verdade, ser, até mais do que a atual linhagem da Igreja Católica, herdeira do Catolicismo medieval português, e a postura "dúbia" que bajula Allan Kardec mas pratica igrejismo não consegue dissimular essa realidade.

Perdido em suas próprias contradições, o "espiritismo" nem de longe pode ser considerado futurista nem moderno, mas antiquado e velho, um catolicismo medieval redivivo. Ver que igrejeiros moralistas como Chico Xavier e Divaldo Franco são considerados "futuristas" é, no fundo, constrangedor.

Mas num Brasil em que muitos veem como a "última palavra em humor" uma comédia mexicana de 45 anos atrás (nada contra essa comédia, mas ela reflete o "espírito dos anos 70"), tentam transformar Paulo Maluf num político cult e veem modernidade no projeto ditatorial de Jaime Lerner e seus ônibus visualmente padronizados, fica complicado questionar o "futurismo" atribuído a dois religiosos que mais parecem ter vindo dos porões mofados da República Velha.

O que assusta, seja no Brasil e no mundo, é a confiança com que retrógrados de todo tipo têm em fazer a marcha a ré da humanidade com menos atropelos possíveis, ou, no pior dos casos, com menos arranhões. Acham que a humanidade entrará no futuro retomando um passado que combina barbárie e preceitos moralistas, privilégios de poucos e flagelos de muitos, um egoísmo de uma minoria que pede aos outros caridade e misericórdia para os egoístas e seus atos abusivos e danosos.

Enquanto se desenha um mundo injusto e surreal no qual convicções sociais querem se sobrepor à realidade, os egoístas sentem a ilusão de sua invulnerabilidade: quem fica rico às custas do empobrecimento do outro e acha que não perderá dinheiro, o sujeito que tira a vida de outrem e imagina que nunca vai morrer, a pessoa que pratica corrupção e acha que não será punida, o sujeito que impõe uma medida nociva acreditando que ela nunca será revogada, o sujeito que humilha outrem acha que nunca será desmoralizado etc.

Todo esse egoísmo parece prevalecer e desafiar impasses, irregularidades, escândalos e toda revolta popular. O triunfo dos retrógrados em prol de seu egoísmo passadista parece desafiar as circunstâncias, até o momento em que a realidade cobre sua conta àqueles que investem e se apegam a esses retrocessos desesperados.

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