sexta-feira, 6 de maio de 2016
Se fosse um país sério, supostos livros do "espírito Humberto de Campos" seriam vetados
O Brasil não é um país sério. Se na vida política, um encrenqueiro como o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, teria sido cassado, em vez de arrastar o processo de impeachment contra ele, esperançoso que vá se tornar vice-presidente do governo Michel Temer e, como presidente em exercício, poder legislar em causa própria durante as viagens do titular e sob o consentimento deste.
As pessoas em geral não entendem coisa alguma. Aqui, há muito desconhecimento de leis, de méritos de conceitos sobre isso ou aquilo, e as pessoas costumam representar algo que não possuem especialização verdadeira. Tendem a entender mal as leis, os fenômenos culturais e outras coisas. No âmbito do conhecimento, acabam misturando conceitos clichês com meias-verdades e até ideias mentirosas sobre algo.
O "movimento espírita" aproveita esse contexto para promover toda sua hipocrisia. A fase "dúbia", vigente nos últimos 40 anos, que consiste numa tendenciosa bajulação a Allan Kardec e a manutenção dos conceitos igrejeiros, próprios da postura roustanguista.
O Brasil não é um país sério. A votação pelo processo de abertura de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, "condenada" por acusações tão nebulosas e vagas que mais parecem boatos, deixou a imprensa estrangeira, mesmo a de direita, perplexa, diante de um espetáculo político surreal.
Sérgio Moro sumiu de cena, depois dessa votação, e ele personificava o juiz-estrela, mais próximo de um tira de Hollywood, e cujo conhecimento jurídico demonstrou-se confuso e tendencioso, além de claramente partidário. O "imparcial" juiz paranaense da Operação Lava-Jato aparecia sem escrúpulo em eventos patrocinados pelo PSDB, partido dos rivais de Dilma Rousseff.
As pessoas se deixam levar pelo status quo e vão acreditando em trapalhadas, mitos, mentiras e fantasias como se fossem a "realidade objetiva". E se apegam no "médium" Francisco Cândido Xavier como uma menina à beira da adolescência que não quer se livrar de sua boneca de pano.
Um país sério, em que a busca do Conhecimento é um hábito social e as pessoas, antes de acreditar, se esforçam em saber, perguntando e questionando o máximo possível, não iria deixar passar mentiras e mistificações. Ou, pelo menos, dificilmente deixaria elas rolarem soltas por aí.
Aqui é que a tentação da complacência, de um lado, e da intransigência, de outro, fazem com que se aceitem certos absurdos. A mesma sociedade que quer Dilma fora do poder por rumores mal esclarecidos é o que aceita que o ilustre escritor Humberto de Campos seja usado impunemente em obras que não condizem ao seu estilo original.
É uma grande aberração. E isso se deu a partir de uma incompreensão de juízes em 1944, que apenas não entenderam o processo que os herdeiros de Humberto moviam contra a FEB e Chico Xavier. Diante dos padrões jurídicos dos anos 1940, a Justiça era incapaz de entender a questão de direitos autorais para obras atribuídas a expressão póstuma de autores falecidos.
Isso deu num empate, mas impulsionou no terrível mito de Chico Xavier, que cresceu vertiginosamente a ponto de hoje termos dificuldade em desmascará-lo, tal o apego extremo e a obsessão terrível que seus seguidores, tomados de fascinação, sentem pelo anti-médium mineiro.
O mito cresceu como bola de neve, derrubando obstáculos com a ganância dos que são capazes de derrubar a Constituição para expulsar o PT do governo. Ou da grande imprensa capaz de trair a responsabilidade da informação honesta para desmoralizar Lula e Dilma Rousseff, criando factoides e rumores infundados.
Chico Xavier cresceu sob a complacência jurídica a seus pastiches materiais, sob uma provável "queima de arquivo" - o sobrinho Amauri Xavier ameaçava revelar os "podres" da FEB - e uma vista grossa a sua cumplicidade explícita às fraudes de materialização, em que se comprova a participação ativa do "médium" nos bastidores e na assinatura de atestados de pretensa autenticação.
De repente, Chico Xavier virou dono do Brasil, dono dos mortos, acionista majoritário da verdade absoluta. E, mesmo 14 anos depois de morto, só falta ser lançado candidato a presidente da República para 2018 e ganhar uma vitória eleitoral "in memoriam". Vai que os chiquistas gostam da ideia.
Isso é terrível, preocupante, pernicioso. De repente um caipira pastichador de livros vira um quase Deus, um vice-Deus que julga o futuro, prevê feitos científicos e vira paradigma de uma suposta bondade. Se o Brasil fosse sério, Chico Xavier teria caído no esquecimento e, quando muito, seria um verbete insólito do Guia dos Curiosos.
O que os juízes do caso Humberto de Campos não puderam perceber, naquele longínquo ano de 1944, é que as obras do autor maranhense apresentavam um estilo completamente diferente do que aparece na suposta obra espiritual.
Isso se constata lendo livros e o Brasil, infelizmente, ainda sofre com fraquíssimo hábito de leitura de livros, com um ano de 2015 considerado um dos piores do mercado literário, "invadido" por livros para colorir que sucediam obras de vampiros e de cachorros com nomes de roqueiros e antecipavam os romances sobre jogos de Minecraft.
A pessoa mal tem disposição para encarar um romance histórico na Segunda Guerra Mundial - única obra ligada ao Conhecimento que tem coragem de "encarar" - e prefere literatura anestesiante, do besteirol juvenil à auto-ajuda religiosa - e, evidentemente, não tem o discernimento mental necessário para diferir o Humberto de Campos dos livros deixados em vida e a suposta obra espiritual.
O país de baixa cultura, que ignora as crises existentes no âmbito cultural, iludido com a agenda cultural "farta" que lê nos jornais reacionários da grande imprensa, mal consegue ver diferença entre um Machado de Assis e um Carlos Drummond de Andrade, quanto mais diferir um Humberto de Campos e seu "homônimo do além-túmulo".
Se fosse num país sério, as obras que levam o nome de Humberto de Campos e outras o nome de Irmão X (paródia de um dos pseudônimos usados pelo autor maranhense, Conselheiro XX, ainda que seja um "irmão xis" usurpando o "conselheiro vinte") seriam retiradas do mercado e banidas de carregamento na Internet.
Mas, em certo ponto, a livre publicação destas obras aberrantes acaba servindo de pesquisa para que seja desmascarada a farsa: confrontando os textos de Humberto e a sua suposta obra espiritual, confirma-se a aberrante disparidade de estilos. Não há possibilidade de relativizar nem desmentir, o "espírito Humberto" é uma fraude montada por Chico Xavier.
Essa desonestidade já é suficiente para desqualificar Chico Xavier e admitir seu oportunismo irresponsável. Não há desculpa sobre "bondade", "amor" e "caridade" que faça acobertar essa ferida grave no "trabalho" de usurpar os mortos e botá-los para representar mensagens diferentes de seus respectivos estilos pessoais. Bondade não é cúmplice da mentira. Falta todos admitirem isso.
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