quinta-feira, 19 de maio de 2016

Embalagem nova e conteúdo velho, a mania do Brasil


Seja à esquerda ou à direita, o Brasil tem uma mania muito antiga: a de travestir o velho com embalagem nova, Sempre o novo construído sobre bases velhas, sempre uma novidade filtrada e deturpada pela corrente que aquela deveria superar e romper.

Sim, porque o novo chega aqui sem romper com o velho, o obsoleto resiste nas condições que impõe ao novo que quer substitui-lo. E é isso que cria uma tradição muito ruim para o país, que depois de uma completa rebeldia popular, trocou uma presidenta progressista por um político que parece viver nos tempos da República Velha.

O próprio "espiritismo" brasileiro surgiu assim. Em vez de assimilar por completo o cientificismo de Allan Kardec - que só foi tardiamente bajulado e falsamente apreciado (e de maneira superficial) pelos membros da doutrina brasileira - , herdou aspectos do Catolicismo do Brasil colonial, de herança portuguesa e conteúdo medieval.

O mais preocupante é que uma segunda reembalagem está sendo usada para salvar o "espiritismo" em crise, se apoiando num projeto humorístico moldado nos fenômenos recentes da Internet - como o grupo Porta dos Fundos - , uma embalagem nova sobre uma outra embalagem que havia sido nova e que começa a apodrecer.

É muito preocupante ver que humoristas se baseiam em linguagens mais recentes da Internet para tentar salvar a reputação de um Divaldo Franco, um sujeito ultrapassado, professor dos moldes da República Velha, com seu estilo verborrágico, prolixo e rebuscado, que de maneira empolada deturpa o pensamento kardeciano através de mistificações e fantasias de valor muito duvidoso.

É o Brasil do machismo travestido de feminismo das mulheres siliconadas, verdadeiras mercadorias eróticas. Mulheres que, só pelo fato de não estarem casadas (ao menos, aparentemente), se acham "feministas", ainda se dizendo portadoras de um "direito ao corpo" que é desculpa vaga para quem não tem personalidade própria se promover com um falso ativismo.

É o Brasil em que emissoras FM de perfil pop - a paulista 89 FM e a carioca Rádio Cidade - se passam por "rádios de rock" mantendo a linguagem mofada de FMs reacionárias como Transamérica e Jovem Pan, e um formato obsoleto como o do hit-parade (as duas rádios "roqueiras" só tocam os chamados "grandes sucessos"), criando um perfil tão esquisito (e claramente anti-roqueiro) que existe até programa sobre futebol, esporte que nada tem a ver com a essência do rock.

É por isso que, depois dos "revoltados" que clamavam com um país "livre e independente", o antiquado Michel Temer tomou o poder. Ele, que já no seu lar estabelece, com uma esposa 43 anos mais jovem, uma relação conjugal típica do século XIX, comanda um ministério digno da Era Geisel e propõe um projeto político que já era antiquado até na década de 1960.

Mas a Era Geisel era a menina dos olhos da sociedade conservadora, plutocrática, patriarcalista, elitista, racista e machista. Uma sociedade que tem medo de ver um Doca Street morrer, mesmo já idoso, quando pessoas bem mais valiosas que o Brasil já teve morreram com menos idade que o empresário que matou a namorada Ângela Diniz. Renato Russo, por exemplo, morreu aos 36 anos.

A Era Geisel era uma ligação entre uma promessa de uma democracia "equilibrada" e o ufanismo do "milagre brasileiro". A cultura popular era deturpada e reduzida a um pastiche americanizado. A economia era marcada pela perda do poder aquisitivo e pela "erosão" da cesta básica dos brasileiros. A opinião pública era uma ficção montada pelos juízos de valor da grande mídia reacionária.

Esse período era um misto de conservadorismo social e concessões parciais. Virou a pauta do PMDB, famoso por impor decisões sem consultar a população e comprovadamente nocivas, que vão desde a pintura padronizada nos ônibus do Rio de Janeiro, que escondem as empresas de ônibus da população (uma antiga empresa da Zona Oeste foi extinta pegando a população de surpresa), à extinção do Ministério da Cultura, mal compensada por uma secretaria subordinada ao Ministério da Educação.

O Ministério das Comunicações também foi extinto por Michel Temer pelo mesmo motivo, decidir sem consultar as pessoas, e prejudicar de propósito, embora cedendo parcialmente sem no entanto abrir mão das arbitrariedades.

Com o fim do Ministério das Comunicações, a grande mídia e os empresários da telefonia recebeu carta branca para tratarem os brasileiros como "gatos e sapatos", com a telefonia prestando um péssimo serviço e veículos como a Rede Globo e a revista Veja fazendo "lavagem cerebral" do povo brasileiro.

Esse é o país que teima em manter o velho sob a embalagem nova. E isso não trará o progresso almejado. O país do "funk" - ritmo que expressa o grotesco midiático - , do fisiologismo político, do machismo vingativo, do fanatismo religioso e futebolístico, das rádios que tocam sempre os mesmos "sucessos" e da imprensa extremamente reacionária, voltou a estar em alta com um governo Michel Temer que já se instaurou exalando forte cheiro de mofo.

E os igualmente mofados "espíritas" pedem apenas para que oremos em favor dos governantes. O que é esperado numa doutrina religiosa que tenta representar a vanguarda científica de Allan Kardec, mas na prática sucumbe ao obscurantismo católico que nem a Igreja Católica segue mais.

Deste modo, o "espiritismo" brasileiro tem tudo a ver com o Brasil de Michel Temer, na medida em que a doutrina brasileira representa, ao lado dos evangélicos, a porção mais retrógrada da religiosidade brasileira, ainda apegada a princípios, práticas e valores medievais.

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