quarta-feira, 16 de março de 2016

Rio de Janeiro: onde o "velho" se traveste de "novo"

ÔNIBUS COM PINTURA PADRONIZADA - PARADIGMAS DA DITADURA MILITAR.

O que tem em comum ônibus com pintura padronizada e percursos reduzidos, rádios que exploram o rock de maneira idiotizada e funqueiros que promovem "novos valores sociais" com baixarias? E o fanatismo futebolístico? O reacionarismo político? O apego à literatura água-com-açúcar, sobretudo religiosa?

Tudo isso, que ocorre no Rio de Janeiro, anda manchando o Estado e sua antes imponente capital, que um dia eram dois Estados, o do Rio de Janeiro (tendo Niterói como capital) e a Guanabara, que por sua vez havia sido o Distrito Federal.

O mais preocupante é que o Rio de Janeiro ainda se impõe como referencial para o país. Mesmo com a onda de balas perdidas e todo o caos que atinge o Estado, sobretudo a região do Grande Rio, que a "boa sociedade" define como "problemas normais da complexidade urbana", a ex-Cidade Maravilhosa ainda "exporta" seus paradigmas, mesmo decadentes, para o resto do país.

Um exemplo é que as autoridades de outras capitais começam a "debater" a chamada "sobreposição de itinerários", não da forma como, a princípio, poderia ser, mas como se o sistema de ônibus fosse uma brincadeira de criança para as vontades pessoais dos secretários de Transportes.

É como se eles achassem que o transporte por ônibus fosse um parque de diversões, e o Bilhete Único fosse um cartão para ter acesso a outros "brinquedos" dentro de um prazo limitado. Os "brinquedos" são as linhas de ônibus "alimentadoras" e "troncais" que os passageiros têm que pegar, perdendo muito tempo entre uma baldeação e outra.

O risco do esquartejamento de linhas de ônibus, não bastasse a pintura padronizada - que foi implantada até em Recife e "derrubou" o sistema de ônibus de lá, sobretudo com a risível pintura de "viatura da PM" lá adotada - , virarem "referências para o país" é tão preocupante que, se o Rio de Janeiro transformar o cuspe num esporte olímpico, a moda pega para o resto do país.


RÁDIO CIDADE - RÁDIO "DE ROCK" QUE TRATA O ROQUEIRO COMO SE FOSSE UM IDIOTA. 

As pessoas se esquecem que muitas coisas que são tidas como "referências para o país" só porque vieram do Rio de Janeiro e "deram certo" (maneira de dizer, é porque deu errado mas ninguém veio protestar publicamente) na verdade corresponde a ideias antiquadas, decadentes e até obsoletas que precisam de uma "vitrine" para continuarem valendo.

É um cacoete típico do provincianismo brasileiro. E isso faz ignorar que muitas das "novidades" lançadas no Rio de Janeiro nos últimos 25 anos, na verdade, seguem paradigmas bastante retrógrados vindos do tempo da ditadura militar.

O sistema de ônibus implantado desde 2010 de forma autoritária pelo prefeito Eduardo Paes e sua Secretaria Municipal de Transportes segue paradigmas que estão longe de serem futuristas, até porque seguem uma lógica que remete à ditadura militar, na época do general Emílio Médici.

Afinal, é desse período que veio o projeto de Jaime Lerner, prefeito biônico do regime militar, filiado à temível ARENA (que detinha o poder militar). É dele a ideia de impor pintura padronizada, como se frotas de ônibus tivessem que ter um "uniforme" (lógica militar), dupla função de motorista-cobrador, redução de itinerários de linhas e diminuição de ônibus em circulação nas ruas.

São ideias, portanto, originárias dos anos-de-chumbo e o fato delas terem sido tardiamente implantadas no Rio de Janeiro não significa que elas sejam modernas ou progressistas. Até porque esse sistema de ônibus demonstra-se anti-democrático e nocivo, foi imposto de maneira autoritária, e ainda contou com a blindagem na Internet dos reacionários trolls da busologia.


VALESCA POPOZUDA - EXEMPLO DE COMO O "FUNK" DISSIMULA VALORES RETRÓGRADOS COM FALSO ATIVISMO.

As pessoas não percebem que as coisas não são necessariamente inovadoras ou modernas só porque são implantadas no Rio de Janeiro. Ver que o "velho" pode se reciclar nas praças cariocas e se travestir de "novo", como o militarista sistema de ônibus com pintura padronizada e disciplina de caserna para rodoviários, é estarrecedor.

De repente, qualquer arbitrariedade, qualquer tolice, qualquer aberração que fosse lançada no Rio de Janeiro como se fosse "novidade", havendo até alguma pompa com isso, é tido erroneamente como "moderno", mesmo quando o Rio de Janeiro de hoje seja bem menos Ipanema e seja bem mais os tiroteios nos complexos do Alemão e Maré e as enchentes na Praça da Bandeira.

É a Rádio Cidade que vende a falsa imagem de "rock de verdade", tratando o público roqueiro como se fosse um bando de idiotas. A rádio só toca os chamados "sucessos das paradas" do gênero, tem locutores "animadinhos" e uma grade de programação que lembra mais as mais rasteiras FMs pop. E sua equipe não é especializada em rock, com experiência em rádios de pop e brega.

É o "funk carioca" que jura promover uma "nova moralidade popular" através de suas baixarias que dissimulam o machismo e o racismo com falsas defesas do feminismo e da negritude. Até Valesca Popozuda foi promovida a "militante feminista" para manter as aparências.

Cria-se um discurso falsamente etnográfico, falsamente científico e falsamente democrático para empurrar aberrações que, com uma observação mais apurada, são fenômenos, ideias ou práticas obsoletas que precisam da vitrine de uma cidade como o Rio de Janeiro (antes São Paulo desempenhava esse papel) para prevalecerem, sendo relançados como "novos" assim como um bolo cheio de mofo por dentro, mas que recebe uma nova cobertura.

É essa visão um tanto cômoda e preguiçosa, que atribui a tudo que é lançado no Rio de Janeiro como "novo" ou "inovador", que reflete o pior da crise sofrida pelo Estado, que não se limita à crise financeira, à crise da Saúde e da Educação ou da Segurança Pública e do Saneamento, mas uma crise generalizada, de valores, de princípios.

É uma crise que se reflete até mesmo na acomodação popular, que aceita essas "novidades" com submissão religiosa. E isso faz decair mais o Rio de Janeiro do que os tiroteios que matam inocentes e o rombo nos cofres estaduais, porque estes também são frutos desse comodismo fluminense, em que pessoas preferem ler livros sobre misticismo religioso e combater bonecos de Minecraft do que lutar para o fim de falsas novidades que prejudicam o cotidiano do povo do Estado do Rio de Janeiro.

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