sábado, 5 de março de 2016

O endeusamento dos logotipos de governos nos ônibus e a divinização dos tecnocratas do Transporte


A sociedade do Estado do Rio de Janeiro paga o preço caro da religiosização e do endeusamento das coisas. No transporte coletivo, que envolve o direito de ir e vir e o deslocamento das pessoas sobretudo entre a casa e o trabalho, ou entre a casa e os estudos, os prejuízos surgiram e cresceram em virtude de secretários de Transportes aos quais foram atribuídos "poderes divinos" e decisões "irreversíveis", como se fossem mandamentos moisaicos.

É o preço caro da aceitação bovina. Com o transporte coletivo, vieram os intragáveis ônibus com pintura padronizada, porque muitos acreditavam que o simples carimbo de um logotipo de prefeitura nas frotas de ônibus, com diferentes empresas exibindo uma mesma pintura, iria trazer o milagre da "mobilidade urbana" com ônibus refrigerados, alongados e de chassis de marcas suecas (Volvo e Scania), como se isso fosse, por si só, sinônimo de transporte coletivo perfeito. E não é.

Afinal, ônibus refrigerados, com chassis sueco e alongados (como BRTs) podem ser sucateados, circular com parafusos soltos, enguiçar no meio do caminho. As arbitrariedades que a Secretaria Municipal de Transportes do Rio de Janeiro (SMTR), em todas as suas gestões (Alexandre Sansão, Carlos Roberto Osório e, agora, Rafael Picciani), impuseram e se acumularam ao longo de seis anos transformaram a antiga Cidade Maravilhosa (que há tempos não faz jus a esse título) num caos.

Hoje autoproclamado "progressista", já que a família Picciani decidiu "apoiar" Dilma Rousseff para garantir as verbas públicas para o Rio de Janeiro, sem precisar tocar na fortuna desses familiares, Rafael Picciani está atuando de forma comparável ao prepotente deputado federal Eduardo Cunha, que antes era apoiado pelos seus familiares e com quem romperam em seguida.

EDUARDO CUNHA TAMBÉM QUERIA "RACIONALIZAR" E "OTIMIZAR" O MERCADO DE TRABALHO, COM TERCEIRIZAÇÃO

É só observar o discurso "técnico" de Rafael Picciani. Ele reduz percursos de linhas, extingue outros percursos, e diz que está "otimizando" e "racionalizando" o sistema de ônibus. Se esquece do amplo fluxo de automóveis e acha que, com menos ônibus nas ruas, o trânsito irá "fluir melhor". Com o fim de linhas funcionais, substituídas por "alimentadoras" e "troncais", o povo está sofrendo terríveis infortúnios. Os cariocas não sabem, mas Eduardo Cunha, quando queria, por exemplo, terceirizar o mercado de trabalho, também apelou para o mesmo discurso "otimizado" de seu antigo protegido Rafael Picciani.

Não bastasse a confusão de pegar um ônibus padronizado - o ônibus da linha 232 tem as mesmas cores do da linha 378 - , as pessoas agora são obrigadas a pegar mais de um ônibus, enfrentar o desconforto do segundo, terceiro ou até quarto ônibus, e, com menos ônibus nas ruas e trajetos mais curtos, as esperas ficaram mais longas e os passageiros sofrem mais transtornos.

Uma passageira chegou a ser vítima de assalto enquanto esperava um ônibus. Teve que apelar para o carro do pai para levá-la e buscá-la ao trabalho.
Outra passageira teve que viajar em pé, antes de passar pelo torniquete, para "economizar" a memória do Bilhete Único, porque o itinerário da linha "alimentadora" esgota a validade do cartão eletrônico, e ela iria desembarcar com a obrigação de pagar mais uma tarifa.

Passageiros estão pagando mais por um serviço cada vez pior. Os ônibus estão sucateados. Cobradores de ônibus foram em massa para o olho da rua por causa da dupla função do motorista-cobrador. Ônibus com pintura padronizada favorece o troca-troca de empresas por linhas, ou mudanças de nomes e de razões sociais - empresas são extintas e criadas sob o véu da pintura padronizada - , e os passageiros são os últimos a saber.

Só que ninguém combate a pintura padronizada, nem o Movimento Passe Livre põe o problema em sua pauta. A medida que "esconde" as empresas de ônibus da população, a pintura padronizada favorece a corrupção político-empresarial, aumenta a burocracia na hora de transferir carros de uma zona de bairros para outra, encarece os custos devido à repintura e traz sérios prejuízos para os passageiros.

Mesmo assim, as pessoas acham que a pintura padronizada "nada tem a ver" com os problemas. Acreditam que "papai do céu" fará com que, mesmo sob esse "baile de máscaras" do transporte coletivo, a situação vai melhorar.

TEOLOGIA DO SOFRIMENTO NA "MOBILIDADE URBANA"

Será preciso que se adote a padronização também em embalagens de cerveja e camisas de times de futebol para o pessoal sacar o problema? Imagine cervejas de diferentes marcas, como Itaipava, Brahma, Bohemia ou mesmo as estrangeiras Heineken e Budweiser, terem uma mesma embalagem da Anvisa? E o Flamengo e o Fluminense jogando exatamente com o mesmo uniforme, com o logotipo da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ). As cervejas ficarão mais "saudáveis" por causa da embalagem padronizada? Os times cariocas ficarão mais competitivos porque exibirão um único uniforme?

O grande problema é que há o endeusamento dos logotipos de prefeituras e, em outros casos, de governos estaduais, nas frotas de ônibus. Como se um logotipo de prefeitura fosse uma espécie de Jesus e Jaime Lerner, o Deus, sendo o secretário de transportes de plantão, mesmo se for um ricaço como Rafael Picciani (que nunca viajou de ônibus na vida), seus sacerdotes divinos.

É esse endeusamento que faz as pessoas não reagirem contra arbitrariedades porque pensam que elas são "sacrifícios necessários" para "benefícios futuros". Sim, a Teologia do Sofrimento embarcou na ideia da "mobilidade urbana" e impôs o martírio dos ônibus padronizados, de motoristas sobrecarregados entre o volante e o dinheiro das passagens, dos trajetos reduzidos, do Bilhete Único que se esgota rápido, das longas esperas de ônibus que fazem a alegria de ladrões, dos ônibus lotados.

A "batina medieval" da pintura padronizada, o calvário da população enfrentando longas esperas por ônibus, veículos lotados e mais gastos em passagens, esperando pelo milagre supérfluo dos ônibus refrigerados, com motor de marca sueca e comprimentos longos (como BRTs), mostra o terrível processo da religiosização, quando ela envolve secretários de Transportes tecnocráticos que são transformados em "deuses" e "possuidores da verdade absoluta".

Aí as pessoas acreditam que não se pode voltar atrás, cancelando a pintura padronizada e devolvendo às empresas de ônibus o direito e o dever de apresentar a identidade visual (que traz maior responsabilidade da empresa, quando mostra uma "cara" própria) ou reativando linhas longas desativadas pela "integração do Bilhete Único". Acham que os tecnocratas do Transporte sempre são "sábios" e agem "em benefício" das pessoas, mesmo quando trazem prejuízos, que muitos acreditam serem "sacrifícios necessários" (Teologia do Sofrimento).

Com isso, as pessoas são sempre prejudicadas e, quando muito, as autoridades e os tecnocratas só fazem "pequenos ajustes". Eles apenas alteram as coisas de forma paliativa, "solucionando" sem eliminar os problemas, como colocar logotipos pequenos de empresas ou permitir pequenas exibições de nomes, sobretudo em letreiros digitais.

Rafael Picciani, o "Eduardo Cunha sobre rodas", pensa em fazer possíveis "ajustes" nas linhas esquartejadas. Sempre no seu discurso "correto", com alegações pretensamente racionais, que apenas mascaram todas as mistificações e o jogo do status quo que o deslumbramento da religiosização traz, transformando pessoas autoritárias em divinas, apenas por questões de poder e visibilidade. As pessoas se prejudicam com posturas assim e acabam sofrendo as piores consequências de deixar que pessoas assim decidam pela população, na medida em que as autoridades e os tecnocratas desconhecem a verdadeira noção de interesse público.

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