sábado, 20 de fevereiro de 2016
A mania do Brasil ser e não ser ao mesmo tempo
O Brasil sofre uma grave crise por causa da hipocrisia que contamina muitas pessoas. Uma sucessão de faz-de-conta, intrigas, fingimentos e pretensões, que mascara muitas pessoas dotadas de caráter medíocre, leviano ou mesmo perverso, cria um quadro no qual os processos viciados mais diversos começam a perder sentido, e isso desnorteia muitas pessoas.
Ilusões eram construídas e totens se ascenderam nos últimos 50 anos. Vivemos paradigmas que foram construídos e consolidados pela ditadura militar, desenvolvemos um conjunto de valores moralistas, reacionários, vingativos e cafajestes que são dissimulados de uma forma aqui e ali.
Num sentido, se é reacionário "em nome da democracia". Se defende a degradação da cultura popular sob o pretexto de ser "progressista". Se defende o egoísmo sob a desculpa do "altruísmo mediante sacrifícios necessários", e faz-se a corrupção sob o véu da "transparência", entre tantas coisas.
A crise de valores mostra que o Brasil se tornou mais do que o roqueiro Raul Seixas definiu, "uma charrete que perdeu o condutor". A essas alturas, a charrete perdeu os cavalos e desce sem freio ladeira abaixo, já que hoje os totens e paradigmas antes sólidos e firmes começam a cair de vez.
A trolagem na Internet, último recurso desesperado de defesa de antigos paradigmas e velhos totens, vindas de internautas reacionários que se passavam por "modernos" com uma falsa descontração e um jeito pretensamente "divertido", que no primeiro momento atraiu seguidores por pura simpatia, começa a causar problemas para seus responsáveis, como feitiços que se voltam contra os feiticeiros.
A grande imprensa mostra a sua decadência, depois de uma breve supremacia nos anos 90 e 2000, sem poder mais influir sobre a opinião pública, embora esta permaneça um tanto desnorteada e confusa. Vendo os paradigmas em crise, muitos se refugiam na zona do conforto do WhatsApp, em postagens "divertidas" e "positivas", temerosos de ver seus velhos ideais caírem.
Velhos "caciques" políticos que não podem desaparecer de cena, velhos machistas assassinos que "não podem" morrer, subcelebridades e cantores canastrões que "não podem" ir para o ostracismo, revistas reacionárias que "não podem" falir (o Grupo Abril extinguiu ou se livrou de tudo quanto é revista, mas mantém a truculenta Veja intata), velhas ideias que "não podem" perder o valor, tudo isso é reflexo de uma paranoia social ante ao velho Brasil que não quer acabar.
Tem-se até medo de ver empresas de ônibus de São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e, agora, Rio de Janeiro, voltarem um dia a exibir suas respectivas identidades visuais, deixando para trás o "histórico" mascaramento visual através de "pinturas de consórcios" que refletem mais as imagens de prefeituras e governos estaduais que "partidarizam" os sistemas de ônibus municipais ou metropolitanos.
Há um medo da Rádio Cidade, no Rio de Janeiro, deixar seu estilo "Dr. Jekyll e Mr. Hyde" de ser, uma rádio pop que "só toca rock", que num momento faz programa sobre os mais tolos chiliques amorosos, noutra acha que pode tocar até King Diamond (nome do heavy metal dinamarquês) na programação normal, e passar a tocar as mesmas coisas alegres da concorrente Mix FM.
Há muito medo de que velhos paradigmas vindos da ditadura militar ou de governos civis ideologicamente derivados, como os de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, perderem o sentido, derrubando totens que com muito "esforço" (leia-se um poderoso lobby político, financeiro e midiático) se tornaram consolidados até pouco tempo atrás.
Há medo até de ver uma Solange Gomes - uma das "musas" do carnaval carioca - de repente se casar com um empresário e deixar suas exibições forçadamente sensuais na mídia, mesmo sabendo que ela completa 42 anos este ano e sua aparência soa envelhecida com plásticas e um físico inflado com muito silicone.
Em primeiro momento, a ação de troleiros (trolls), que acima citamos, refletia esse medo. Equivalentes contemporâneos do velho Comando de Caça aos Comunistas, os internautas digitais que não tinham escrúpulos para ofender e difamar pessoas, reagiu para tentar proteger, de forma "marginal" e "mafiosa", os valores retrógrados e os totens dominantes dos quais acreditavam.
Daí as calúnias que iam das mídias sociais e fóruns digitais a blogues e fotologues especializados em ofender alguém. Mas neste Brasil em crise, os troleiros, de cães-de-guarda se transformam em "pés-frios" e vários deles têm que apagar páginas ofensivas, mudar de residência e tomar outras providências de fuga, porque plantaram briga e colheram ameaças. Compraram tanta briga que já começam a receber ameaças de morte de alguns ofendidos.
As "monoculturas" da música dita "muito popular" financiadas pelo coronelismo no Norte, Nordeste e Centro-Oeste e os "revivais" tendenciosos de ídolos cafonas do período ditatorial, travestidos de "vanguarda pós-tropicalista", também decaem quando vários ídolos do brega, do "sertanejo", do "forró eletrônico" e da axé-music chegam a cancelar apresentações por falta de público.
Até o "saudosismo" dos anos 90, que tentou fazer os "filhotes da ditadura" Fernando Collor e Mário Kertèsz "queridos" pelas esquerdas, que tentou dar a outro "filhote", o arquiteto Jaime Lerner, uma reputação maior que a de Oscar Niemeyer, e que tenta a todo custo manter Gugu Liberato, Solange Gomes, grupo Raça Negra e Chitãozinho & Xororó em alta, começa a ser abalado.
Da mesma forma, o Big Brother Brasil 16 não tem mais o sucesso das edições anteriores, deixando os executivos do entretenimento "popular" de cabelos em pé, não podendo mais lançar subcelebridades que em quantidades industriais povoaram a mídia nos últimos anos.
E o machismo recreativo das "mulheres-frutas", como Mulher Melão e Mulher Melancia, também não consegue mais entusiasmar muitos homens, graças às críticas negativas que elas recebem. Ou um inexpressivo Luciano Huck que mal sabe ser apresentador de TV e quer ser até dublê de filantropo.
O Brasil em crise vive a primeira instância de tentar proteger seus totens de qualquer maneira. Um Brasil velho que teima em se manter vivo, mesmo perecendo de vez. E é sintomático que até o "espiritismo" brasileiro, que comprovou ser uma versão repaginada do antigo Catolicismo jesuíta português, tenta se manter em pé querendo ser e não ser ao mesmo tempo.
Pois é isso que mantinha os velhos totens, sempre com um quê de reacionários fingindo ser progressistas, machistas fingindo um novo feminismo, ditatoriais metidos a democráticos, decadentes que querem se manter em alta, restritivos que se fazem de satisfatórios, a sucessão de exemplos sobre ser o que não é e não ser o que acaba sendo provoca a crise de valores que atinge o Brasil.
É como uma velha casa montada num precipício que, pela sua estrutura apodrecida, ameaça cair e todo esforço é feito para que isso nunca acontecesse, nem sob a pressão da pior tempestade e da erosão mais acelerada do barranco. O Brasil está assim, um velho país montado pela ditadura militar que começa a perder o sentido mas muitas pessoas insistem em mantê-lo, como um prego enferrujado que demora para ser arrancado do lugar.
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