terça-feira, 17 de novembro de 2015

Tragédia em Paris: mais "resgate coletivo"?


O que o "movimento espírita" vai dizer sobre os atentados em Paris, ocorridos na noite do último dia 13? Que foi o reflexo da decadência do "velho mundo"? Que foi um ato de intolerância religiosa que também apronta das suas contra os "misericordiosos espíritas"? Que foi um castigo sofrido pelas vítimas que morreram cumprindo "reajustes espirituais"?

O moralismo de uma doutrina que, com toda a bajulação em torno de Allan Kardec, praticamente boicota seu pensamento e só utiliza suas palavras (ou de Erasto, ou do Controle Universal do Ensino dos Espíritos) de maneira tendenciosa, é capaz de fazer julgamentos infundados, preocupado em fazer sua doutrina prevalecer no planeta, como um novo Império Bizantino.

Quanto as vítimas, será que elas serão mais um grupo de "culpados" pelo juízo de valor "espírita", que mesmo na sua ignorância completa sobre Ciência Espírita - quase não há a tão alegada e festejada mediunidade, 99% do que se atribui a essa prática é fraude, é "mentiunidade" - , tenta até fazer apostas sobre quem foi encarnação de quem?

Com a lista inicial de 129 mortos - até o fechamento do presente texto - , a tragédia foi uma das piores dos últimos tempos, e se tratam de pessoas de diversas procedências, algumas passeando nas ruas, outras que se alimentavam ou se divertiam no restaurante Le Carillon e na boate Le Bataclan (originalmente um teatro inaugurado em 1864), que era reduto de intelectuais parisienses.

É evidente que o episódio não simboliza o declínio do "velho mundo", mas a ascensão de um fundamentalismo religioso com práticas terroristas que pretende retroceder a humanidade aos padrões das crenças de seus militantes.

No entanto, a interpretação simplória dos "espíritas", que reduz a situação a um maniqueísmo entre o desamor de uns "pobres coitados" (os terroristas) e o sofrimento dos "deserdados da sorte" (os mortos e feridos), atribui às vítimas o cumprimento de um "pagamento" comum de pecados passados.

Quem é que teria coragem de dizer que os mortos pelos ataques teriam sido gauleses sanguinários, que colocavam hereges nos estádios para serem devorados por leões, ou jogavam eles nas praças para serem queimados pelo fogo, e por isso teriam sido castigados pela tragédia contemporânea?

Recentemente, um periódico "espírita" do Rio de Janeiro comparou os imigrantes que fugiam de áreas como a Síria - dominada pelo Estado Islâmico - em direção à Europa a supostos tiranos que voltavam aos territórios onde viviam durante o Império Romano. Atribuir negros em busca de exílio a antigos tiranos soou ofensivo e sugeriu uma visão racista por parte dos "espíritas".

Sem considerar individualidades, os "espíritas" acreditam que as pessoas podem sofrer tragédias em bloco. Como se seres humanos fossem coisas, o "espiritismo" brasileiro acredita que se pode cumprir punições por atacado, multidões pagando, a pretexto de um "resgate coletivo", por um suposto pecado comum, como um gado bovino recolhido para o abatedouro.

Além do mais, a preocupação sobre esse julgamento de valor leva em conta Paris, a capital da França, o berço do Espiritismo autêntico, a cidade que foi o campo de ação do lionês Allan Kardec. Vão julgar os franceses como se eles tivessem sido gauleses sanguinários, jacobinos violentos, bonapartistas belicosos, chauvinistas autoritários etc etc etc.

Faltam estudos sérios sobre mediunidade e vida espiritual e os "espíritas" brasileiros vivem brincando. Enquanto ilustres líderes fazem apostas sobre quem eles teriam sido - vaidades pessoais atribuem uma coleção de cientistas, artistas e religiosos como "encarnações passadas" - , eles supõem que diferentes pessoas de diferentes origens teriam sido romanos medievais com sede de sangue.

Isso desvia os debates em torno de políticas estratégicas de combate ao terrorismo, Desvia a questão pela complexidade política que contrapõe o Oriente Médio ao Ocidente. E isso acaba também prejudicando os próprios "espíritas" que, pelos seus juízos de valor e pela presunção de quem foi quem em outras vidas, acaba causando ofensas pessoais sérias.

Francisco Cândido Xavier, o "adorável" Chico Xavier de seus seguidores, foi julgar as pobres vítimas do incêndio em um circo em Niterói, supondo que todos teriam sido gauleses sanguinários, e só saiu impune porque era um grande protegido da Federação "Espírita" Brasileira e pelos grandes donos da imprensa e das emissoras de televisão.

Woyne Figner Sacchetin, no entanto, chegou a ser processado quando fez o mesmo com as vítimas do acidente da TAM, em São Paulo, no ano de 2007, o que fez uma parente de três vítimas processar o "médium" e médico por danos morais. Já dá para perceber que se não fosse a baixa instrução sócio-educativa e a falta de dinheiro para pagar advogados, os familiares das vítimas do circo teriam também processado Chico Xavier.

Daí a grande diferença de hoje, em que se discute mais as coisas na Internet. É claro que se vive uma ampla resistência ao pensamento crítico, com pessoas preferindo brincar no WhatsApp, ler livros e ver vídeos "divertidos" e "positivos" (embora não dê para entender por que muitos acham "positivo" idosas gordas escorregarem na borda de uma piscina).

A dúbia tendência do "espiritismo" de hoje, cujo roustanguismo enrustido tenta caprichar na bajulação em torno de Allan Kardec, não conseguirá responder de forma transparente o problema dos atentados em Paris. Eles envolvem uma complexidade de relações sociais, políticas e religiosas e, em certo sentido, a religião aparece como um dos vilões do episódio. Analisar tudo isso não é fácil.

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