sexta-feira, 6 de novembro de 2015
Por que o Brasil é indiferente às mudanças no mundo?
Brasil, 2015. Pessoas passam o tempo todo usando smartphones e tabletes para consultar o WhatsApp. As imagens mais vistas são selfies em lugares interessantes, de preferência exóticos ou glamourosos, ou vídeos de coisas bem engraçadas.
As músicas mais ouvidas variam do brega mais escancarado ao rock mais caricato. Subcelebridades vivem em altíssima popularidade. MPB? Só o revival de antigos sucessos. E os livros? Os mais vendidos variam entre biografias de cachorros com nomes de músicos, livros para colorir e bobagens trazidas por blogueiros que fazem sucesso no YouTube.
Experimente questionar os problemas no Brasil. Não raro haverá pessoas lhe chamando de "arredio", "chato", "insuportável", e elas lhe evitarão de alguma forma. A onda de narcisismo e o "tribunal do umbigo" que toma conta de muita gente revela a cegueira e a surdez do Brasil que pede silêncio.
A crença, por mais absurda que possa parecer, é real e acontece mesmo. A ilusão de que o Brasil só poderá se desenvolver se ficarmos cegos, surdos e mudos. é bastante típica e, por incrível que pareça, tem a adesão de muita gente. Você precisa parecer feliz no Facebook, simpático no Twitter e engraçado no YouTube, senão perderá amigos e não terá muitos seguidores.
O conformismo virou tirania no Brasil. E o Brasil é cada vez mergulhado no atraso. Mais uma vez, valores considerados novos são cultivados em bases do atraso. Exemplo disso é o "feminismo" das musas "sensuais", que é calcado em valores machistas de exploração da mulher-objeto.
O Brasil está atrasado até em relação ao próprio Brasil. O cenário sócio-cultural de hoje, mesmo com Internet, livre transmissão de informações e tudo, está pior do que há 50 anos atrás. O Rio de Janeiro da instigante e vibrante Bossa Nova está entregue à imbecilização do "funk". Na cultura rock, se antes tínhamos rádios com personalidade e competência como a Fluminense FM, hoje está subordinada à Rádio Cidade, apenas uma rádio pop chinfrim que "só toca rock".
O povo pobre se reduziu a uma caricatura pior do que as que se via nas chanchadas da Atlântida. E se havia muito comercialismo musical nas rádios, a presença de música popular ou sofisticada de verdade era bem mais expressiva nos anos 1960 e 1970 do que hoje em dia. E isso quando até a classe média universitária atual é tão desinformada que da chamada "alta cultura" eles só conhecem os chamados "medalhões", seja Machado de Assis na literatura ou Chico Buarque na música.
Apesar de todo esse quadro degradante, a onda é parecer feliz e satisfeito nas mídias sociais. O Rio de Janeiro está decaindo de forma vertiginosa? A regra é esquecer tudo isso e criar um clima "sol de Ipanema", "inverno em Petrópolis" e "final de campeonato no Maracanã" e ser "feliz demais" no Facebook.
E por que as pessoas se irritam tanto com críticas? Por que as pessoas de repente se rebelam contra o ato de pensar? No Sul e Sudeste, as pessoas viraram consumistas de emoções, desejos, símbolos, valores, e ninguém está aí para ver se alguma coisa está errada, e muita coisa está. Quando admitem, acham que os erros e defeitos fazem parte da "complexidade urbana moderna".
Só que a decadência que sofre o Rio de Janeiro está acima do que se considera aceitável para uma cidade considerada dotada de algum desenvolvimento social, econômico e urbano. Os complexos do Alemão e da Maré, que envolvem bairros como Bonsucesso, Parque União, Olaria, Ramos, Penha, Inhaúma e Higienópolis, são exemplos ilustrativos disso.
As regiões até parecem serem cidades do Oriente Médio, tanto pela "arquitetura" extremamente precária das suas casas quanto pela violência que acontece no local. O mais grave disso tudo é que junto a essa área, não bastasse os dois complexos estarem na rota entre o Galeão e o Centro, se situa um importante campus universitário.
Apesar desse detalhe, a obrigação que se tem nas mídias sociais é sempre mostrar o sol de Ipanema, a plateia do "Maraca", as selfies alegres e os vídeos engraçados. Se você não é "feliz", não tem "amigos", e isso mostra um caso muito grave que ocorre no Brasil, principalmente nas cada vez mais atrasadas regiões Sul e Sudeste.
O MUNDO QUESTIONA E O BRASIL ACEITA
Lá fora, as armadilhas são facilmente identificadas e combatidas de certa forma. Há muitos exemplos disso, e lá observamos o quanto fenômenos como a "overdose de informação", vistos como um grave problema por intelectuais mais renomados, aqui é visto como um fenômeno maravilhoso e até necessário, sob o pretexto da "liberdade de informação".
Nos países desenvolvidos, se permite a ascensão de intelectuais questionadores como Noam Chomsky. Os cursos de pós-graduação são mentalmente mais abertos e não filtram a entrada de candidatos por critérios ideológicos de necessidade de abordar temas inócuos.
Aqui no Brasil é que a coisa é mais restritiva. O Brasil aceita tudo. Na pós-graduação, é preferível que se aceitem temáticas repetitivas, como trezentas pesquisas sobre o mesmo canto de lavadeiras numa cidade e em outra do interior, do que alguém falar em crise cultural.
A desculpa que se tem é que não há crise cultural. Há até internautas que tentam "provar" que essa crise não existe, porque o filho do amigo de fulano e a filha de uma socialite tal se iniciaram na música, no teatro ou na literatura e "fazem sucesso" se apresentando para uns "gatos pingados" dos seus próprios ambientes sociais.
A aberrante situação do Brasil aceitar tudo de bandeja se refere, no âmbito religioso, a facilidade com que Madre Teresa de Calcutá foi questionada pelo ateu Christopher Hitchens, com todos os riscos que essa empreitada significava, sobretudo por Madre Teresa representar paradigmas religiosos bastante delicados e um perfil filantrópico aparentemente bastante convincente.
Hitchens chegou a ser duramente atacado, mas sua tese depois ganhou respaldo e até acadêmicos canadenses confirmaram o que o falecido jornalista inglês havia pesquisado para fazer seu livro e seu documentário em que não temeu classificar a missionária como "anjo do inferno", desafiando todos os estereótipos considerados inabaláveis, mesmo quando deficitários.
Já no Brasil, em que pese o aumento dos questionamentos sobre as irregularidades de Francisco Cândido Xavier, e apesar das evidências de sua trajetória confusa e cheia de escândalos graves (vide os casos Humberto de Campos e Otília Diogo e a defesa ardente da ditadura militar pelo anti-médium), ainda há muita dificuldade para demolir seu mito, seguido por muitos fanáticos.
Só no YouTube, o "estado chiquista" e o fundamentalismo em torno de Chico Xavier se revela pela multiplicidade de vídeos favoráveis a ele, com todas as bobagens a ele atribuídas e com um exército de curtidas muito grande.
É o Brasil em que as mídias sociais pedem para que fiquemos calados e mergulhemos na "felicidade digital". Ou, quando muito, que integremos os "Revoltados On Line" para expressar valores obscurantistas diversos.
O mais recente exemplo de que o exterior está na dianteira dos questionamentos - num contexto em que uma atriz da Disney, a adolescente Rowan Blanchard, com apenas 14 anos, expõe pontos de vista dignos de uma renomada estudante de Mestrado - é a blogueira australiana Essena O'Neill, uma das musas do Instagram.
Essena resolveu mudar de atitude, apagando a maioria de suas fotos e mudando as legendas das que manteve. Desiludida com o grau de superficialismo e narcisismo nas midias sociais, ela fechou várias contas e só manteve o Instagram para denunciar a hipocrisia desses ambientes, nos quais se cultua o narcisismo, o consumismo e a alienação mental.
Essena tinha cerca de 700 mil seguidores e recebia um valor correspondente aos nossos R$ 5 mil por cada foto, Mesmo assim, ela resolveu fazer campanha contra as mídias sociais, chegando fazer uma postagem em que, em tom paródico, pedia para que os leitores "curtissem" a imagem.
As denúncias de Essena revelam o lado sórdido das mídias sociais. "Elas não são a vida real", revela a moça, que afirma que as mídias sociais acabaram sendo um reduto para padrões hegemônicos de beleza, felicidade e descontração. Essena está preocupada com a tirania da busca por ascensão social que representa as mídias sociais em geral.
O que Essena denunciou é a realidade que não é contestada de forma devida no Brasil. Aqui o que reina é a "felicidade" que a australiana denuncia como um mal. Se Essena fosse brasileira, ela seria vista não só como antissocial e reclusa, para não dizer chata e insuportável, mas, mediante tal denúncia, como uma oportunista e uma exibicionista.
E mais uma vez o Brasil segue indiferente. Enquanto isso, troleiros espalham o obscurantismo de valores para quem não aceita a "felicidade" que eles impõem nas mídias sociais. O Brasil mergulha no atraso mas o pior nem é isso, é ver que há pessoas que não aceitam que esse atraso seja denunciado ou questionado.
Para todo efeito, continuam valendo os princípios de "felicidade" na Internet. Continuemos vendo blogues divertidos de pessoas "lokas" no YouTube e vídeos engraçados com animais e bebês, se é para termos o mínimo de aceitação social. Mais uma vez o Brasil está fechado para o mundo.
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