quinta-feira, 12 de novembro de 2015
O "espiritismo", desprezando a vida material, é materialista. Por quê?
O "espiritismo" vê a vida material como coisa qualquer nota, ignorando que as pessoas possuem finalidades específicas, potenciais peculiares e dons diferenciados. São essas pessoas as mais condenadas a sofrer infortúnios e, de preferência, a não cumprir ou deixar incompletas suas missões de progresso e transformação social.
Pensando assim, o "espiritismo" é materialista. Como assim? Se desvalorizar a vida material, desprezando sua natureza, é negar a importância da vida carnal, por que se considera tal postura como materialista? Não seria o contrário, até pelo nome "espírita" que simboliza a doutrina brasileira?
Muito simples. O desprezo à vida material se revela uma visão amplamente materialista e, podemos afirmar, tão radicalmente materialista, na medida em que se despreza a importância da vida carnal como um processo de desenvolvimento do espírito e sua intervenção na sociedade.
A ideia de que isso é materialista é porque, quando falamos em valorização da vida material, não se fala da valorização do mundo material na sua simbologia de prazeres, tentações e gozos, mas se fala da oportunidade da intervenção do espírito encarnado na transformação do mundo embrutecido em que se vive.
Quando o "espiritismo" transforma a vida material em algo qualquer nota, criminalizando as necessidades humanas, condenando a vontade humana sendo vista como um "mal", vendo o próprio ato de desejar como um capricho da vaidade e da cupidez, a visão é materialista, porque ela trata a vida material como um "seja o que Deus quiser".
Daí que observa-se que as pessoas de perfil mais diferenciado sofrem mais quando aderem ao "espiritismo". Elas se recusam a aceitar a ideia de viver a vida "como ela se impõe", com seus infortúnios e provações pesadíssimas, mesmo as provações supérfluas, do "sofrer por sofrer" defendido sob a desculpa de ser um "aprendizado melhor".
O "espiritismo" não entende a ideia de que pessoas desejam relações amorosas por afinidade, empregos especializados para trabalhar seus dons, pedem condições para exercer seus talentos e potenciais e não suportam as barreiras pesadas que nenhum sacrifício árduo consegue derrubar.
Dentro do cotidiano prático da vida humana, o "espiritismo", por exemplo, não vê a diferença entre uma Natalie Portman e uma Mulher Melão, um trabalho de escritor e um de faxineiro, e pouco está se lixando se o sujeito que fez tratamento espiritual não só manteve seus problemas como acabou sofrendo encrencas graves.
Para os sorridentes "espíritas", tão afeitos a jurar fidelidade absoluta a Allan Kardec, mas dotados de apetite moralista digno de aristocratas do Império Romano, as pessoas que sofrem só precisam ter "um pouco de paciência", o que nos dá a noção de como esse papo de "um pouco de paciência" faz com que só o Brasil veja o Guns N'Roses como "clássico do rock".
Não se consideram aptidões. Quem é diferenciado pena mais do que homicidas que talvez sejam melhor protegidos com um livro de Emmanuel nas mãos. Ou se aceita o sofrimento e vive "como se pode", esperando alguma recompensa futura, ou então a desgraça aumenta de forma descontrolada.
É uma visão medieval. Ou você sofre, ou você sofre da pior maneira. Tudo é feito para que você fique paranoico e tenha que se armar de terços, livros religiosos, santos, tenha que vir com todo um repertório de orações e preces para serem feitas aos berros e prantos, mas que mesmo assim os "espíritas" recomendam que sejam feitas em silêncio para não perturbar o sossego dos opressores.
Você tem que engolir suas neuroses, seus pânicos. e enfrentar limitações em doses surreais. Tudo para que seus planos de aproveitar seus potenciais sejam minimizados ao mais inócuo possível. De preferência se submetendo ao jugo de pessoas mais medíocres que você.
A vida material, sendo vista como um processo qualquer nota, pode significar o desperdício de uma encarnação, já que as pessoas não estão aí para "nascer e morrer" de qualquer jeito. Existem vocações diversas, talentos diversos, e querer que se "sofra sem mostrar sofrimento", porque é lindo "sofrer sem queixumes" visando "bênçãos futuras", é do mais cruel materialismo.
Afinal, a "vida futura" do "espiritismo" é vista de forma aberrantemente materialista. A estética shopping center de Nosso Lar, a ideia de que, ao morrermos, vamos encontrar amigos e parentes como no desembarque em um aeroporto, a crença de que iremos para quartos tranquilos, ouvir os passarinhos cantando nas árvores e sendo acolhidos até por cachorrinhos, é materialismo puro.
Muitos ateus demonstram muito mais espiritualismo que os "espíritas". Paulo Freire tinha um projeto de transformação social através da Educação, que faz a "revolucionária caridade" de Chico Xavier um nada de ações precárias, entre paliativas e perniciosas. Oscar Niemeyer tinha uma visão humanista de fazer os "espíritas" sentirem vergonha de si mesmos.
Fora do âmbito da religião, se aproveitam vocações, talentos e intenções para a vida material. Querer uma vida diferenciada não é visto como uma busca fútil de prazer e satisfação pessoal, e o próprio prazer é visto de maneira positiva, como um meio de aperfeiçoar e permitir a melhor qualificação de uma atividade de evolução do espírito. Fora das amarras da fé, tudo isso é melhor considerado.
E que satisfação pessoal não pode haver em palestrantes "espíritas", pretensamente humildes e falsamente sábios, tomados do mais habilidoso malabarismo das palavras, vendilhões da esperança vã, que pouco importam de como os outros sofrem nas suas vidas, enquanto realizam suas exposições em ambientes de relativo luxo, e vivem em expressivo gozo e conforto material, às custas de conselhos tão hipócritas?
Que gozo pessoal, que vaidades mesquinhas, não podem haver nesses malabaristas da palavra, nos mercadores do positivismo, que aceitam fazer palestras em hotéis caríssimos, mediante cachês trazidos pelas inscrições desesperadas em workshops "espíritas", camuflando seu moralismo elitista com a desculpa da "caridade das palavras", no fundo pregações de letras "desencarnadas" e falsamente fraternais?
Daí que o "espiritismo" é materialista. A sua religiosidade, tomada de empréstimo do Catolicismo medieval, a sua "mediunidade", inspirada em práticas ocultistas e esotéricas, e sua perspectiva de vida humana, como um processo "qualquer nota", e a perspectiva de vida futura, desenhada por preconceitos materialistas, fazem o "espiritismo" ser anti-humanista e anti-espiritualista.
Afinal, acreditar numa vida "qualquer nota" só porque a vida material é um "nada" diante da vida espiritual é, na verdade, impedir que as pessoas aproveitem a brevidade da vida carnal para intervir nelas de maneira mais proveitosa, mais abrangente e - por que não? - mais prazerosa, já que o prazer pode ser um instrumento que facilita a qualidade das ações realizadas. O prazer é irmão da alegria.
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