quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Moralista, mídia não costuma mostrar o outro lado dos homicidas


No último dia 11, um motorista piauiense de 57 anos viajou 440 km de seu Estado de origem para São Paulo só para assassinar a ex-mulher. Lourenço de Oliveira, de 57 anos perseguiu a ex-mulher, Benedita Andreia Alves, e, armado de revólver, a matou com tiros, mesmo depois dela tentar se esconder num micro-ônibus no Morumbi.

O caso teria sido mais um da chamada "defesa de honra" machista, não fosse por um detalhe: após o crime, Lourenço, durante a fuga, sofreu um acidente vascular cerebral, caindo poucos metros do local do homicídio. Levado para um hospital, ele não resistiu e acabou falecendo.

Nos últimos dois anos, esse é o terceiro feminicídio de motivação conjugal cujos assassinos morrem sem cometer suicídio. Dois rapazes que assassinaram namoradas já haviam falecido, na fuga, em desastres de carro, um em Florianópolis e outro em Brasília. Isso mostra o outro lado de quem comete homicídio, não somente os feminicidas, mas quem tira a vida de outro em geral.

Os homicídios dessa natureza, em que seus autores aparentemente não mostram algum antecedente criminal, são motivados por pressões diversas que afetam a saúde psicológica e até a física. Em muitos casos, os homicidas consomem algum tipo de droga ou álcool, ou são fumantes inveterados. A tragédia não existe apenas nas vítimas, o próprio homicida também produz seu drama, sua tragédia.

É surpreendente, porém, que a grande mídia quase não explore esse lado e houve denúncias de que homicidas como o ex-promotor de Atibaia, Igor Ferreira, o ex-médico Farah Jorge Farah, que assassinaram respectivamente esposa e amante, e o fazendeiro Darly Alves, mandante do assassinato do ativista Chico Mendes, teriam recebido tratamento diferenciado por certos veículos de comunicação, a exemplo do lendário Doca Street, há cerca de dez anos.

A ideia que se tem, quando homicidas são entregues à impunidade, é que tudo que eles fizeram na vida foi tirar a vida de alguém, passar uns poucos dias na cadeia e voltar para casa. Tudo fica na mesma, exceto no lado das vítimas.

No entanto, num país em que as pressões sociais se tornam mais intensas, como o Brasil, e o machismo passa por um inferno astral, apesar de resistir a todo preço - tanto pelos feminicídios que acontecem aos montes quanto pelas "mulheres-objetos" que apelam demais na mídia - , assim como o coronelismo sofre sua decadência, o homicídio traz ao seu autor um futuro de incertezas dolorosas.

No caso de dois tipos de homicídio marcados pela impunidade, como os crimes latifundiários e os feminicídios conjugais (antes considerados "crimes passionais"), o sistema de valores conservador ainda protege sutilmente os homicidas, porque eles são "guardiões" de valores tidos como "tradicionais" relacionados à Família e à Propriedade.

Daí a "legítima defesa de honra" e "legítimo direito à propriedade", que protegem machistas e coronelistas aos quais nenhuma tragédia lhes pode ser apontada, por soar "ofensiva" e "cruel demais" para quem "já sofreu muito na vida". Como se o relativo sofrimento dos homicidas devido ao ódio da sociedade a eles fosse comparável aos irreparáveis danos que causaram às vítimas e seus familiares e amigos.

A esses dois tipos de homicídio, geralmente a grande mídia não costuma noticiar seus óbitos. Para todo efeito, maridos ou namorados "traídos", pistoleiros e fazendeiros mandantes, cometem seus crimes, passam uns dias na prisão, enfrentam julgamento e depois voltam para casa tranquilos. Se no meio do caminho um feminicida ou jagunço morrem de infarto, a imprensa silencia.

Daí que uma parte "conceituada" da grande imprensa não noticiou a tragédia do feminicida que sofreu AVC. Como não iria noticiar as inúmeras tragédias de feminicidas, que exterminam moças inocentes ou esposas momentaneamente irritadas, para não causar euforia nas feministas nem frustração e apreensão aos machistas.

As tragédias acontecem pelo natural desequilíbrio de contextos, por diversos motivos. Se observarmos o paradeiro de muitos "criminosos passionais" que agiram entre 1977 e 2000 e que não se suicidaram na ocasião dos seus crimes, a quantidade desses homens que já faleceu, se não é enorme, chega a surpreender.

Os feminicidas conjugais têm até suas causas de mortes potenciais: infartos, câncer e acidentes de trânsito. Não há um estudo para observar quantos realmente morrem, na faixa dos 45 aos 65 anos, desses problemas, mas há um nada desprezível número de homens, aparentemente de boa e saudável aparência e que haviam assassinado suas esposas ou namoradas, que morreram antes de completar 50 ou 60 anos de idade.

Da mesma forma, é rotineiro que, nos hospitais, pistoleiros a serviço do latifúndio (ou então ao "coronelismo" urbano do jogo-do-bicho), entre 35 e 64 anos, adoeçam gravemente e morram em leitos hospitalares, e não surpreende que, muitas vezes, um jagunço aparenta ser mais velho do que sua idade sugere. Muitos se alimentam mal, bebem e fumam constantemente.

Mas até que ponto a mídia, ainda dotada de preconceitos machistas ou coronelistas, admitirá as tragédias naturais que pessoas que tiram vida de outrem, cometendo o mais terrível ato de egoísmo que se conhece na humanidade, contraem para elas mesmas?

Será que elas transmitirão o futuro feliz de pistoleiros que mataram sindicalistas, missionários, ativistas etc, comprando uma fazenda bonitinha que nem nos contos infantis e viver ali serenamente o resto de seus dias?

E o feminicida será um vovô tranquilo que tentará explicar para seus netos por que teve que "se livrar" da vovó que não está mais para contar as suas histórias? Isso depois dele, livre da cadeia, posar de coitadinho e conquistar fácil novas namoradas?

O homicida não é alguém que conquista a sorte grande porque obteve liberdade condicional, mas também não é um antropófago que, através da eliminação de sua vítima, "soma" para si a vida que o outro não pode prosseguir? Tirar a vida do outro não é ter mais vida, e sim contrair um drama pessoal. E se o homicida é uma pessoa que descuidou da saúde, não será o cadáver alheio que irá lhe trazer a cura das doenças que naturalmente virão.

Poucos homicidas conseguem superar suas situações e aceitar seus dramas. Poucos sobrevivem, se não sem o peso da consciência, mas pelo menos com corajosa autocrítica. No entanto, a maioria sucumbe à sua tragédia, não um suicídio literal, mas uma "morte à prestação" depois que, contra suas vítimas, ofereceram a "morte à vista" da maneira mais precipitada possível.

O que se observa também são os esforços, em maior parte vãos, dos homicidas limparem seus nomes e suas condições materiais. O caso de Guilherme de Pádua (feminicida não-conjugal, até porque matou a esposa de um outro) é típico, com as tentativas dele "anular" sua pena e "limpar" sua reputação material, ainda que se contentando hoje a ser uma subcelebridade a se alimentar de polêmicas baratas.

Quando alguém tira a vida do outro, mata também sua reputação pessoal. A vida de quem mata outrem também não é a mesma, e os esforços para "limpar a barra" e salvar suas condições materiais - nome, status social, antigos feitos sócio-profissionais etc - tornam-se vãos, porque tudo isso desaparece com o óbito.

A ajuda da mídia em transformar alguns feminicidas conjugais e mandantes de crimes em "pessoas legais", mostrando um patético Farah Jorge Farah com mochila de estudante, torna-se inútil. O ideal é um homicida aceitar os efeitos de seus prejuízos e reconhecer suas derrotas humanas, e esperar seu óbito para depois optar por uma reencarnação mais limpa, quando haverá a consciência do mal que é abreviar a vida de outrem.

Um homicida mata de forma irrecuperável sua própria reputação. Quando ele mata alguém, ele também "se mata" simbolicamente. Não pode reconquistar o status anterior, depois que eliminou a vida de alguém. Cabe ele aceitar a falência que seu nome passou a representar para si e esperar que, em outra vida, não repita o gravíssimo erro.

Talvez a nova encarnação seja uma oportunidade 100% nova que compensará, com novo nome e novas condições sociais, o "perecimento em vida" da existência atual.

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