quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Rock e rebeldia sem alma, mas com a "alma do negócio"


Com a proximidade do Rock In Rio e o anúncio da nova fase da FM pop Rádio Cidade, que passou a levantar a "bandeira" do "Rock de Verdade" - num país em que a "verdade" está sempre nas mensagens de marketing - , volta à moda o estereótipo roqueiro que tanto tranquiliza os conservadores em geral.

Se andar pelas ruas do Rio de Janeiro, ou mesmo em Niterói e na Baixada Fluminense, ou então em São Paulo, nas cidades do ABC paulista e Osasco, observa-se jovens "despreocupados" ouvindo suas "rádios rock", a Rádio Cidade e a 89 FM, indiferentes ao fato de ouvirem os mesmos sucessos do rock mais manjado todo dia.

Hoje as duas rádios não repetem tanto as músicas, por causa da pressão da Internet e do fato de que as rádios tentam trabalhar uma programação verossímil. Afinal, as duas rádios agora estão voltadas para o mercado turístico, com uma programação para turista inglês e estadunidense ver, e por isso precisam se passar por emissoras sérias e de dedicação politicamente correta.

A histeria em torno das duas emissoras, sobretudo a Cidade - que nunca teve tradição no rock e começou sua trajetória tocando pop convencional - , já que a 89 FM pelo menos passou por uma breve fase sendo uma rádio de rock fraca, mas próxima da autêntica, se deve não pelo que cada emissora representa para o rock, mas pelo que cada uma representa para o mercado.

As duas emissoras, além de outras que seguem a mesma linha, não são especializadas em rock. São na verdade rádios pop como qualquer outra que toque Justin Bieber e One Direction, mas apenas diferem porque tocam aquilo que entendem como "rock". Vendem uma imagem de "verdadeiras rádios de rock", mas não têm o perfil diferenciado para o gênero.

Mas o grande problema é que essa imagem publicitária, ainda que falsa e questionável pela forma que as emissoras tocam o gênero - de forma superficial, restrita aos "sucessos das paradas" - , acaba prevalecendo e o perfil rock acaba sendo corrompido, influenciando no comportamento da juventude.

Os jovens "roqueiros" de hoje, ou mesmo a gente adulta que "adere" ao gênero, se comportam como se estivessem saído de um ritual de hipnotismo. Se limitam a adotar gestos e vocabulários de roqueiros caricatos, desses que aparecem em programas adolescentes mais tolos na televisão. Botam língua pra fora, fazem sinal de demônio com as mãos, tocam air guitar e falam gírias da moda.

O comportamento nem tem muito a ver com a verdadeira natureza do rock, já que é extremamente caricato, submisso, conformista e consumista. O "roqueiro" brasileiro parece desligado dos problemas do mundo, finge completo cinismo só para dar um tom "próprio" ao conformismo que sente, preferindo reservar a catarse para a "sonzeira" que diz curtir.

Para piorar, o rock acaba sendo visto como "religião". A "permanente" adesão da Rádio Cidade para o rock foi tratada pelos seus fanáticos seguidores - que, por si só, representam uma imagem caricata do rebelde roqueiro - como se fosse uma "dádiva divina", com uma devoção e fé que beiram ao fundamentalismo, diante do fanatismo e da crença cega que têm em relação ao mito do rock.

Eles adotam procedimentos que o roqueiro autêntico rejeitaria, a exemplo do "nosso espiritismo" que contraria o pensamento de Allan Kardec. A "superioridade" do rock é algo que nem os verdadeiros músicos de rock defendem, porque soa como forçar a barra demais. Mas aqui no Brasil costuma-se forçar a barra de tudo e a maioria das pessoas aplaude como focas de circo.

Essa "superioridade" se manifesta pela ilusão de que "só o rock é mais inteligente, é mais cultural", como se outros estilos musicais fossem um lixo e extremamente abomináveis. Isso é fundamentalismo e, como todo fundamentalismo, contraria a essência original de cada causa defendida, já que o fanatismo sempre se dirige sempre a formas deturpadas desta causa.

Esse fundamentalismo é perigoso, porque o rock acaba sendo visto de maneira idiotizada, embora radical. O estereótipo do "roqueiro" no Brasil acaba se voltando para o comportamento alienado e resignado, o "rebelde" aceita qualquer coisa que possa se encaixar nos seus estereótipos, assim como aceita ouvir as mesmas músicas em nome da "catarse" expressa na "sonzeira".

Aliás, essa aceitação tem limites. Geralmente vai ao sucesso mais manjado, mas recua diante de clássicos do rock. O típico ouvinte dessas "rádios rock", por exemplo, não aguenta ouvir AC/DC além dos acordes de introdução de uma única música, "Back in Black" ou, quando muito, suportar ouvi-la uma única vez por dia.

O gosto musical se volta para coisas mais "fáceis", seja Guns N'Roses e outras bandas posers, ou então nu metal (que mistura hip hop com clichês de rock pesado), poppy punk e pseudo-alternativos da linha de Flaming Lips e Queens of the Stone Age.

Não são pessoas que se preocupam com que marca de guitarra corresponde a um tipo de som do instrumento, são politicamente niilistas - isso quando não aderem ao direitismo, o que é comum - e não gostam de ler livros ou apreciar ideias e textos de intelectuais renomados.

Esse público prefere fazer os papéis de "crianças obedientes" para o mercado que lhes dita o que deve ser um comportamento "rebelde". Agressividade mais na forma, o conteúdo é bem mais conformado e subserviente. São pessoas que não se incomodam em pagar caro por um lanche "qualquer nota" e pouco estão preocupados com as desigualdades sociais que ocorrem no planeta.

Eles não têm o "estado de espírito" verdadeiro do rock, aquele que marcou a década de 1960, de pessoas ávidas em questionar o mundo e explorar sua criatividade e sua força de espírito. Os "roqueiros" atuais preferem o consumismo, a conformação com o "sistema" e apenas o desabafo provisório e inócuo da "catarse roqueira", pulando e fazendo gestos de demônio com as mãos.

Se não existe o estado de espírito que é a alma da cultura rock, existe a "alma do negócio". As "rádios rock", como a Rádio Cidade carioca, são associadas a todo um mercado de grandes corporações que envolve multinacionais e grandes companhias promotoras de eventos ou patrocinadoras de grande porte.

Algumas dessas empresas patrocinadoras são até acusadas de promover o trabalho escravo, pagando mal seus funcionários e sujeitando-os a acidentes de trabalho sem qualquer garantia legal contra isso, seja como prevenção ou solução.

Nas lanchonetes, adolescentes mexem com fornos e fogões recebendo baixos salários e correndo risco de sofrerem queimaduras e não receberem uma assistência médica digna por causa disso. Mas ninguém reage: o espetáculo do rock tem que continuar.

Mas os "roqueiros" não querem saber. Gastam seus dinheiros para enriquecer os exploradores. Daí a "consciência social" desse rock estereotipado e caricato que mostra que não tem sentido de lógica essa pretensa superioridade ideológica do rock, que esconde processos de idiotização e de compulsão ao consumismo.

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