quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Brasil está atrasado quando internautas rejeitam questionar Chico Xavier

O INTELECTUAL INGLÊS CHRISTOPHER HITCHENS, EM CENA DO DOCUMENTÁRIO ANJO DO INFERNO: MADRE TERESA DE CALCUTÁ.

O Brasil está terrivelmente atrasado. A comparação com os mitos de Madre Teresa de Calcutá e Francisco Cândido Xavier revela a mais aberrante situação dos brasileiros, diante de situações de iconoclastia que desmistificam e desmitificam totens sagrados da religiosidade humana.

No exterior, em que o mercado, pelo menos o estadunidense e o europeu - ao menos países como França e Inglaterra - , permite que se produzam documentários questionando o valor de certas religiões badaladas e tidas como "intocáveis",  a receptividade pública é maior que a do Brasil, que ainda sucumbe ao fanatismo fundamentalista.

O caso Madre Teresa de Calcutá é ilustrativo. Ela tem um perfil verossímil de mulher tida como santa enquanto era viva e associada a uma corajosa atividade filantrópica e um aparente enfrentamento aos poderosos para pedir investimentos. O mito, no entanto, foi desmoronado com denúncias recentes.

Aqui, o mito de Chico Xavier é muito mais confuso e desorganizado do que Madre Teresa. Chico, quando vivo, era pivô de vários escândalos graves, inclusive de fraudes de materialização, plágios literários e pastiches poéticos, para não dizer o uso de práticas ilusionistas para forjar cartas "mediúnicas".

No entanto, ele ainda é visto como uma semi-unanimidade, e denunciá-lo ainda é visto como uma "dolorosa ofensa" contra "um homem de bem". No YouTube, é ilustrativa a desigualdade que existe entre a receptividade das contestações no exterior e no Brasil, o que é uma diferença aberrante.

O documentário Anjo do Inferno: Madre Teresa de Calcutá (Hell's Angel), choca pelo título que é um soco nos estômagos dos devotos da religiosa, que o veem como ofensivo e difamatório. Pelo título, era para as pessoas se afastarem do documentário, que acusam de "demoníaco" e "criador de amargos dissabores", ainda por cima, apresentado por um ateu, o inglês Christopher Hitchens (1949-2011).

No entanto, a julgar pelas curtidas no YouTube, o "demoníaco" vídeo, que denuncia irregularidades da Madre Teresa de Calcutá, um mito criado pelo jornalista Malcolm Muggeridge, da BBC de Londres, através do documentário Algo Bonito para Deus (Something Beautiful for God), de 1969, Hitchens parece não sofrer tanta intolerância como, em tese, se supõe.

Ele já havia sofrido polêmicas maiores nos anos 90, quando o documentário Anjos do Inferno foi lançado, mais precisamente em 1997, dois anos depois do intelectual inglês ter lançado o livro com o irônico título dado no Brasil de A Intocável Madre Teresa de Calcutá (The Missionary Position: Mother Teresa in Theory and Practice). Mas hoje parece que a poeira assentou.

Madre Teresa é denunciada por não dar conforto nem assistência necessária aos necessitados - no Lar dos Moribundos, uma de suas criações, num bairro de Calcutá, os doentes são expostos juntos e sem qualquer higiene nem alimentação digna - , por cortejar poderosos acusados de corrupção, pedofilia e genocídio e por defender a mesma apologia ao sofrimento de Chico Xavier, aquela ideia de que o sofredor tem que suportar os infortúnios sem queixumes e em troca de "bênçãos futuras".

Enquanto isso, um documentário de bobagens "proféticas" como Data Limite Segundo Chico Xavier, de Fábio Medeiros, com risíveis erros de abordagens geológicas e sociológicas - Chico "previa" que estadunidenses fossem povoar a Amazônia em vez do eixo Rio-São Paulo e eslavos migrariam para o calor do Nordeste, fatal para eles) - , é apoiado pela maioria esmagadora de pessoas.

No caso de Hitchens, o placar de aceitação é de 80 contra 10. Já um contestador de Chico Xavier, no Brasil, leva um placar de, em média, 10 contra 300. Há um "termômetro" de aceitação e rejeição no YouTube, com símbolos de mão com o polegar para cima (curtir) e para baixo (não curtir), que dão uma noção do grau de como vídeos são apoiados ou condenados.

Isso se deve sobretudo à visibilidade de Hitchens. Para o bem e para o mal, ele foi um intelectual de grande projeção no mundo. Ainda repercute, postumamente, por suas ideias polêmicas e pelo seu ateísmo de esquerda. O mercado estrangeiro é receptivo a questionadores como Umberto Eco, Noam Chomsky e o já falecido Eric Hobsbawm.

Aqui, porém, o que impera é o mercado de complacência, conchavos político-financeiros e uma burocracia acadêmica que impede que pessoas com o nível de pensamento dos contestadores do "estabelecido" lá fora - que podem ou puderam lançar muitos trabalhos desse nível - cheguem sequer aos cursos de mestrado.

Intelectuais assim morrem no nascedouro e precisam atuar "marginalmente" através da blogosfera ou da imprensa alternativa, sem no entanto obter a visibilidade necessária para que suas análises repercutam dignamente. Se seus textos são visualizados por quinze pessoas no primeiro dia, é alguma coisa.

Por isso, os pontos de vista oficialescos, impostos pelo poder do mercado, da mídia, da política e da tecnocracia prevalecem de forma assustadora. Aqui não tem os chamados investimentos de risco, quando os subsídios governamentais às pesquisas acadêmicas permitem e incentivam a produção de trabalhos que põem em xeque totens estabelecidos, por mais rentáveis que estes sejam.

Aqui os investimentos só são garantidos quando o trabalho acadêmico se situa nos limites da apologia e da bajulação. Antes forjasse apenas um aspecto "polêmico" de causas ou personagens enfocados, mas apresentando visões contrárias que são neutralizadas e minimizadas pelo discurso acadêmico supostamente neutro.

Desta forma, por exemplo, Chico Xavier pode até ser mencionado em escândalos de fraudes e em outras denúncias, mas o pesquisador tem que tomar cuidado para isolar esses incidentes no terreno do "polêmico", sem que eles ameaçassem a imagem glamourizada que ele tem entre seus devotos, e no final o anti-médium reaparece como o "herói" que venceu tais incidentes "incômodos".

A proteção de totens é favorecida porque não há contestadores que ultrapassem o curral da visibilidade que só beneficia os arautos do "sistema". E é isso que faz com que, lá fora, mesmo uma figura como Madre Teresa de Calcutá, bem mais verossímil do que a confusa figura de Chico Xavier, possa ser duramente contestada a ponto de ser definida como "anjo do inferno".

Aqui, porém, chamar Chico Xavier e, por conseguinte, Divaldo Franco, de charlatães, mesmo com toda a apresentação de provas lógicas e argumentos consistentes, ainda são vistos como "ofensas impiedosas". O Brasil está preso na areia movediça de sua zona de conforto dos totens intocáveis.

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