quinta-feira, 20 de agosto de 2015

"Centro espírita" do Rio de Janeiro promove pinturas "mediúnicas"


Vale a pena falsificar para investir na caridade? O amor permite todo tipo de mentira? Existe a "desonestidade do bem"? Pois, vendo o total desconhecimento no Brasil da Ciência Espírita, quando vemos que há simulacros de mediunidade e especulações sobre vida espiritual, não há como levar a sério esse "kardecismo" que nada tem de Allan Kardec.

Poderíamos ver alguma boa intenção, se não fosse a falsidade que se observa, numa comparação entre as obras "espirituais" e as obras originais dos autores alegados. Depois de Luís Antônio Gasparetto e José Medrado, agora o carioca Giovanni d'Andrea, do "centro espírita" Tenda dos Irmãos do Oriente, localizado no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, lança pinturas.

Seus seguidores garantem que a causa é "nobre" e os quadros, "avaliados" entre R$ 250 a R$ 400, terão renda destinada para o Hospital Pedro de Alcântara, localizado em Rio Comprido e organizado pelo grupo "espírita" Obreiros do Bem.

Uma questão que podemos fazer é essa. Se a intenção é a caridade, por que apelar para a falsidade ideológica de usar pintores falecidos para obras que, se observa bem, não possuem a menor veracidade? Não seria melhor o suposto médium pintar seus próprios quadros, usar sua própria autoria e assim se revelar um talento em ascensão?

Ficamos vendo, suspirando, o caso de Wolfgang Beltracchi, que passou anos e anos falsificando quadros, imitando estilos de outros pintores, até ser desmascarado e preso. Pois ele, arrependido, resolveu pintar obras originais, assumidas como de sua autoria, e o trabalho saiu elogiado. Para que se consagrar às custas dos outros se, com boa vontade, se pode ter talento próprio?

O que se observa, nas pinturas abaixo, são irregularidades quanto ao estilo e à assinatura, que faremos aqui em minuciosa comparação, selecionando as principais obras "mediúnicas", ou supostas psicopictografias, e comparando com as obras originais dos pintores atribuídos. As irregularidades chegam a ser aberrantes.

Das duas, uma. Ou Giovanni recebeu algum espírito brincalhão que falsificava quadros em vida, ou ele mesmo imitou diversos estilos de pinturas, contrariando o que ele disse sobre "nunca ter estudado arte na vida". Ele diz usar técnica diferente da dos pintores originais, usando acrílico em vez de óleo sobre tela, mas mesmo quando recorre a técnicas similares, o resultado é duvidoso.


À esquerda, suposta pintura atribuída ao espírito do holandês Vincent Van Gogh (1853-1890). À direita, obra original do artista, O Semeador, concluída em 1888. Nota-se a aberrante diferença de estilo, até pela forma com que as cores diversas são distribuídas.

Além disso, o pintor autodidata e "maldito" - seus trabalhos eram discriminados em vida e só foram devidamente valorizados postumamente - , pelo seu temperamento rebelde em seu tempo, ele nunca iria se oferecer para um evento como esse, de mero propagandismo religioso, embora sutil.

A ASSINATURA "ESPIRITUAL" (ACIMA) ENTRA EM CONTRADIÇÃO COM A ORIGINAL, DEVIDO À GRANDE DIFERENÇA DE CALIGRAFIA.


Acima, uma pintura supostamente atribuída ao espírito do artista japonês radicado no Brasil, Manabu Mabe (1924-1997), em que se tenta imitar o estilo do original, mas o resultado soa bastante confuso. Ela é confrontada com Vento Vermelho, um dos últimos trabalhos do autor, concluído em 1997. Embora os herdeiros do pintor estejam condescendentes com o projeto "filantrópico", eles admitem que não há veracidade na autoria alegada.

SUPOSTA ASSINATURA DO "ESPÍRITO" DE MANABU MABE (ACIMA) NÃO CONFERE COM A ORIGINAL.



Nesta imagem, confronta-se a suposta pintura espiritual de Paul Jackson Pollock (1912-1956), artista de vanguarda dos EUA, que aparece no alto, com os dois trabalhos originais do autor, Mural (1949), no centro, e Convergence (1952), abaixo.

Note-se que a complexidade da arte de Pollock não confere na suposta pintura espiritual, que parece muito tosca e limitada a uma aleatória combinação de rabiscos que nem conseguem preencher todo o espaço, como nos trabalhos do artista estadunidense.


Aqui, observamos, à esquerda, a suposta pintura espiritual atribuída a Pablo Picasso (1881-1973), célebre artista espanhol. À direita, uma obra original do pintor, Retrato de Dora Maar, de 1936, dedicado a uma das várias mulheres que passaram pela vida amorosa do artista.

Mesmo em seus devaneios surreais, Picasso nunca pintaria da forma como se fez na pintura "mediúnica", muito comportada para seu talento surreal, mas um tanto tosca do que quando ele se concentra em traços mais sofisticados.

A ASSINATURA "ESPIRITUAL" (ACIMA) TENTA IMITAR A ORIGINAL, MAS NÃO CONSEGUE.


À esquerda, vemos uma pintura atribuída ao espírito de Jean-Pierre Renoir (1841-1919), célebre pintor francês. O estilo desta pintura "mediúnica" difere bastante da suposta psicopictografia feita pelo baiano José Medrado usando o nome do pintor. Para confrontar, usamos a obra original do artista, Femme à la Rose, concluída em 1976.

A exemplo de José Medrado, a obra trazida por Giovanni destoa do estilo de Renoir, cuja sofisticação de traços e distribuição de cores não é notada nas obras "espirituais". A palidez da pele da moça da pintura "mediúnica" foge severamente do estilo original do francês.

ACIMA, A ASSINATURA "ESPIRITUAL" NADA TEM A VER COM A ORIGINAL.


Sinceramente, à esquerda vemos uma pintura "espiritual" que nada tem a ver com o estilo pessoal de Amedeo Modigliani (1884-1920), notável pintor modernista italiano. Em vez dos desenhos precisos, quase usando um recurso visto em desenhos animados e revistas em quadrinhos, de contornar as pessoas com traços em preto, nota-se traços "espectrais" que fogem do estilo do pintor.

ACIMA, ASSINATURA ATRIBUÍDA AO ESPÍRITO, QUE SE TORNA RISÍVEL PELA ABREVIAÇÃO DO SOBRENOME, NUNCA OBSERVADO NA ASSINATURA ORIGINAL. A GRAFIA TAMBÉM DIFERE, E MUITO, EM RELAÇÃO A QUE O ARTISTA ASSINOU EM VIDA.


Soa bastante ridículo e patético atribuir alguma veracidade a essa pintura que se atribui a Cândido Portinari (1903-1962), conhecidíssimo pintor brasileiro. Mesmo com boa vontade, não dá para ver qualquer autenticidade na suposta psicopictografia, já que a diferença de estilo é aberrante, como já se observou no "Francisco de Assis" trazido por José Medrado, também usando o nome de Portinari.

A ASSINATURA (ACIMA) NEM ENGANA É ABERRANTEMENTE DIFERENTE DA ORIGINAL.

ASSINATURAS SUPOSTAMENTE DIFERENTES REVELAM, ENTRE SI, SEMELHANÇAS EM UM ÚNICO ESTILO, ÀS VEZES TENTANDO UMA CALIGRAFIA, OUTRAS ESCREVENDO LETRAS DE FÔRMA.

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