sábado, 13 de junho de 2015
O conformismo social no Brasil
O Brasil é um país ainda muito atrasado e problemático. Não que países prósperos não tenham seus problemas, eles o têm e são vários, mas o que se vê no Brasil é que a maioria das pessoas prefere viver na ilusão de perfeição e fingir que os problemas não existem.
Nosso país virou o paraíso do conformismo social. Mesmo a recente onda de manifestações populares acabou se desvirtuando, tempos depois, em grupos de vândalos ou de reacionários radicais financiados por obscuros grupos empresariais ou por especuladores financeiros.
De resto, o que se vê são as pessoas brincando com seus smartphones, "patinando" pelo WhatsApp e pelo Facebook em busca de mensagens as mais inócuas possíveis, ou alguma mensagem água com açúcar aqui e ali - alguém não pensou em Chico Xavier? - e clicar curtir.
Até no consumo de livros vê-se o retrato desse grau elevado de conformismo social que se torna chocante, se levarmos em conta que o padrão contestatório médio da população brasileira, embora tenha subido nos últimos cinco anos, ainda está abaixo dos parâmetros de 1965, quando a ditadura militar se consolidou ao se declarar permanente e não mais provisória.
Os temas que tendem a ter sucesso nas vendas literárias são os mais inócuos possíveis: diários sobre banalidades escritos por blogueiras da moda, livros sobre aventuras de vampiros ou cavaleiros medievais, histórias banais sobre cães e seus donos (alguns cães, curiosamente, com nomes ou sobrenomes de músicos estrangeiros) e as auto-ajudas de sempre.
Ao que se saiba, esses livros pouco acrescentam em transmissão de conhecimento e se tornam uma literatura predominantemente comercial, E desafiam a compreensão lógica de quem pergunta qual é o interesse de se saber o que uma desconhecida escreve sobre seu quarto e suas noitadas em boates, ou por que um desconhecido qualquer escreve 300 e tantas páginas sobre um cachorrinho.
O que isso tem a ver com nossas vidas? E o nosso cotidiano, vai mudar com tais leituras? É evidente que virão internautas "teorizando" sobre "mensagens lindas" e "recados alegres" sobre isso e aquilo, e o que se tem de estupidez travestida de sensatez na Internet é algo estarrecedor.
Mas só mesmo uma situação surreal do nosso Brasil, que parece viver do complexo de Ilha de Santa Cruz, querendo se isolar do mundo e ao mesmo tempo mandar nele, julgando a modernidade e o futurismo de acordo com os umbigos de seus narcisistas mais arrogantes.
O Brasil passa por uma crise de princípios, que pouca gente percebe. Culturalmente, depois de um longo período com uma forte campanha de bregalização - em que havia a ilusão de que o país progrediria culturalmente com a degradação cultural, através de formas estereotipadas de cultura popular financiadas pelo poder midiático-mercadológico - , o país vive uma fase de indefinição.
Vivemos a prevalência de valores "pragmáticos" (atendimento superficial das necessidades humanas, às custas de transtornos ou limitações impostos pelo poder tecnocrático, midiático, político ou mercadológico) e até a mobilização popular já se condiciona a isso, não mais a querer algo melhor, mas a aceitar algo que "atende ao mais básico", sob a desculpa de ser "melhor que nada".
E isso vai enrolando até que as sucessivas desculpas de "atender o básico" façam com que se chegue a abaixo do básico, pois essa verdadeira apologia da precarização acaba sempre decaindo a qualidade de vida, aos poucos.
Daí a política salarial declinante, e a precarização do mercado do trabalho em marcha. Daí a televisão de baixarias que faz com que a atração menos ruim seja considerada "genial" porque não mostra glúteos siliconados. Daí a aceitação bovina de uma Rádio Cidade, no Rio de Janeiro, que em termos de cultura rock está muitíssimo abaixo de atender sequer ao "mais básico do básico" (e isso quando não se considera o "básico" como eufemismo de precário).
Daí, também, a aceitação bovina dos ônibus com pintura padronizada cuja mesmice visual para nada serve. Só perceberemos a razão do problema quando a padronização visual atingir os uniformes dos times de futebol e as embalagens de cerveja.
Imagine todos os quatro times cariocas jogando com um único uniforme? Um Fla X Flu que precisa de placar eletrônico ou tecnologia GPS para nos informar se os jogadores são flamenguistas e tricolores, já que todo mundo têm uma mesma roupa! E as diferentes marcas de cerveja com a mesma embalagem da Anvisa, imposta sob a promessa de fazer a bebida se tornar mais saudável?
Mas até chegarmos a esse ponto as pessoas vão brincando com seus telefones celulares e boicotando os textos que falam sobre alguma crise no Brasil. As pessoas se distraem na sua vida mediana com consumismo e emoções baratas, com noitadas, "torpedos", bebedeira, futebol, e outras coisas mais. E nada como uma mensagem açucarada de Chico Xavier para "relaxar" essas mentes.
Só que aí a realidade segue com sua crueza e o recreio dos conformistas, indiferentes aos problemas, poderá estabelecer o seu preço. O grande problema das piores festas não é quando elas ocorrem, mas no momento da ressaca, onde as consequências mais drásticas se revelam. E a situação do Brasil está delicada demais para acharmos que essa ressaca será pouca coisa.
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