quarta-feira, 10 de junho de 2015

"Espiritismo" e hierarquia familiar

O MORALISMO HIERÁRQUICO FAZ OS JOVENS SOBRECARREGADOS DIANTE DOS PROBLEMAS COTIDIANOS.

Sabe-se que o caráter moralista e conservador do "espiritismo" brasileiro faz tratar a instituição Família como uma estrutura pétrea, quase inalterável ao longo de encarnações e apenas restrita às trocas de papéis atribuídas aos seus entes. Até mesmo o princípio de "honrar pai e mãe" é visto como uma forma de se submeter aos arbítrios dos mais velhos, dentro dos valores "sagrados" da hierarquia familiar.

O "espiritismo" parece muito cruel com os filhos. A eles se reserva uma ideologia de obediência plena, sofrimentos intensos, servidão extrema e, dependendo do caso, tragédias precoces. Muito difícil ser jovem e "espírita" no Brasil, muito mais fácil ser velho nesta condição.
As pessoas perdem a juventude se submetendo a arbítrios e infortúnios diversos, e quando chega a hora de ter algum benefício ou autonomia, já não contam com a mesma energia física para desfrutá-los, nem o mesmo ânimo e idealismo para investir nas suas qualidades mentais.

Há um esforço de prorrogar o espírito juvenil, com pessoas com mais de 40 anos mantendo o mesmo padrão de diversão, entretenimento e lançamento de ideias antes típico de pessoas de 20, mas ainda não é a mesma coisa. Os cabelos continuam ficando brancos e os homens, por exemplo, só puderam prorrogar a idade obrigatória para o exame da próstata dos 40 para os 45 ou 50 anos.

Mesmo as mudanças em relação ao padrão de vida da meia-idade são muito brandas, em que pese a pressão que havia na cultura jovem desde os anos 1950, em que pessoas nascidas a partir de 1935 começaram a romper com os paradigmas do mundo adulto, a partir da revolução comportamental do rock'n'roll, em 1954.

Ao longo dos anos, os jovens rebeldes que se destacaram tornaram-se idosos de 60, 70 e 80 anos. No entanto, são pouquíssimos os contemporâneos que se dispõem a ter uma vida jovial depois dos 50 anos.

Aos 55 anos, a maioria dos homens bem-sucedidos passa a ter obsessão apenas por eventos de gala e uma vida cheia de formalidades, enquanto as mulheres tornam-se mais rezadeiras. Na proximidade da aposentadoria, as pessoas não se interessam a recuperar o melhor da juventude, embora, depois dos 55, há quem continue fumando, se embriagando, se drogando e até arrumando encrencas e, em alguns casos, cometendo crimes.

O que se observa hoje é que as pessoas que começam a entrar na casa dos 60 anos não conseguem transmitir, como outrora, a mesma maturidade e experiência de outros tempos. Não há grandes intelectuais, grandes literatos ou ativistas, salvo as honrosas exceções que, poucas, ainda que atuantes, não conseguem se tornar regra.

Na maioria das vezes, observa-se pessoas grisalhas e profissionalmente experientes, com filhos crescidos, seus primeiros netos nascendo e tudo, olhando impotentes as transformações do mundo, sem poder trazer uma resposta ou lição pertinente para os mais novos.

No Brasil essa debilidade tem um motivo: quando tinham entre 18 e 22 anos, essas pessoas não podiam expressar idealismo. Era a época do AI-5 e aqueles que poderiam acrescentar ao mercado de trabalho não somente um desempenho eficiente, mas ideias transformadoras, era desaconselhado pelo contexto político de então, em que todo aquele que tinha um pensamento humanista era visto como "criminoso" e sujeito até a ser morto pelos militares.

Eram jovens que, por volta do final da década de 1960 e 1970, só tinham que cumprir os deveres que lhes eram impostos. E isso desnorteou os jovens de então, que com o tempo viraram profissionais corretos, mas com alguma raiva inconsciente contra a outra parcela de jovens que procurava viver a juventude de forma clandestina.

Isso porque, se por um lado havia jovens que tinham que ser, da parte dos homens, profissionais bem-sucedidos, e as mulheres, o mesmo mas com a opção de serem donas-de-casa exemplares, por outro havia gente que, influenciada pelo movimento hippie e outras "ondas" juvenis, partiram para a "curtição".

Mas mesmo os jovens dessa parcela que discordavam dos hippies, achando-os acomodados, também faziam a juventude à sua maneira, como os primeiros punks. E havia também a poesia marginal, o teatro experimental inspirado no Living Theatre, a psicodelia propriamente dita, o surfe e o skate, a cultura udigrudi (alternativa) etc.

Apesar dessas movimentações, que fazem com que, pelo menos, comece a crescer uma parcela de "jovens" de meia-idade, ainda envolvidos com valores e hábitos juvenis, a maioria das pessoas com mais de 50 anos está presa a valores castradores e formalistas do "mundo adulto".

E a hierarquia familiar, num país como o Brasil, ainda pesa na maioria da sociedade. E o "espiritismo" brasileiro ainda faz com que os pais se tornem ansiosos demais por seus filhos, pressionando-os ou esperando demais deles.

Daí, por exemplo, o fato de que os filhos precisam se sobrecarregar em obediências, sacrifícios desnecessários e aguentar todo tipo de infortúnio, enrascada ou cilada, não pelo fato de poder aprender com elas - a "boa energia espírita" empurra até para coisas piores e sem proveito - , mas para "aguentar o pior" por si mesmo.

A situação se complica quando filhos adultos prolongam suas estadias com os pais, dentro dessa perspectiva de obediência absoluta. Uma situação surreal então é criada, quando pessoas adultas têm que ter um nível de obediência de pré-adolescentes e, pelo fato de seus pais já serem idosos, terem uma perspectiva de saúde de idosos.

Sim, é isso mesmo. Pessoas entre 35 e 45 anos são obrigadas a se comportar ao mesmo tempo como crianças submissas e como velhos doentes. Ao menor espirro, a mãe já ordena o filho que nem está tão doente assim a procurar um médico.

Não há um meio-termo que permita a capacidade de decisão e o desenvolvimento de uma boa saúde. Não há um estímulo à livre ocupação - o filho só "está ocupado" quando serve aos seus pais - nem sequer ao descanso, mas em contrapartida o filho é "convidado" a tomar remédios por conta da obrigação de procurar um tratamento médico para resolver o menor pigarro, só por causa das neuroses da mãe doente.

Ser subserviente e hipocondríaco, como dois extremos do peso da hierarquia familiar sobre os mais jovens, mostram o quando os jovens sofrem e não podem reclamar. O "mundo adulto" ainda acha que os jovens possuem "sangue de barata", que não se estressam, não se entristecem, e se sentem alguma angústia ou nervosismo, são "desequilibrados".

Daí a visão do "mundo adulto", decadente e imaturo no vazio, que não sabe que os jovens têm emoções e limites. Eles não podem ser sobrecarregados nas imposições da vida e nem nas frustrações e desilusões pesadas. E depois os pais ficam choramingando quando alguns desses jovens morrem em função dos infortúnios da vida. Dessa forma, a moral "espírita" mata nosso futuro.

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