domingo, 7 de junho de 2015

"Espiritismo" e as preocupantes neuroses sociais

O MORALISMO "REENCARNACIONAL" PODE SER USADO COMO DESCULPA PARA DEFINIR A NEGRITUDE COMO UM "CASTIGO"?

Muitas pessoas ficam chocadas quando falamos que um periódico "espírita" fez um comentário sutilmente racista porque pressupôs que os pobres imigrantes africanos na Europa teriam sido sanguinários invasores europeus que receberam o "castigo" da roupagem física africana.

O desconhecimento da Ciência Espírita e do pensamento de Allan Kardec, que os "espíritas" brasileiros só apreciam parcialmente e de forma tendenciosa, faz com que esse julgamento de valor do Correio Espírita soasse bastante equivocado.

Afirmamos isso levando em conta também o cruel "dedo acusador" de ninguém menos que o próprio Chico Xavier das "frases lindas" enfeitadas com cenários de jardins floridos, que acusou os coitados que foram vítimas do trágico incêndio de um circo em Niterói, a uma semana do Natal de 1961, de terem sido patrícios sanguinários que viveram na Gália (atual França), Estado do Império Romano.

Apavorados, os "espíritas" reagem com argumentos como o "castigo" se refere aos antigos tiranos que retornaram sob a pele de suas vítimas para conhecer os infortúnios da pobreza africana. Acham que o comentário "nada tem de racista" e que apenas evoca a moral "reencarnacional", já que eles supõem saber os segredos de quem foi quem nas vidas passadas.

"ESPÍRITAS" ACREDITAM EM "CONDENAÇÕES EM BLOCO"

Só que esse julgamento fica estranho porque, além dessa avaliação moralista soar claramente medieval, apostando sempre na tese das "condenações em bloco", em que pessoas se juntam para ter uma condenação comum, um ponto de vista que, na verdade, remete aos imperadores romanos, soa estranho que todo mundo não tenha sua individualidade reconhecida mesmo nos infortúnios.

O "espiritismo" despreza a individualidade e acha que, só porque um grupo de pessoas foi vítima de uma tragédia comum, todos tiveram a mesma condenação. Acha que as "falanges espirituais" podem amontoar pessoas para um mesmo infortúnio e desconhecidos sofrerem juntos uma mesma sina, sob a desculpa dos tais "resgates coletivos", uma ideia claramente medieval.

Isso é um grande absurdo. E, ainda mais quando os pobres africanos são classificados dessa forma tão pedante, por pessoas que não conhecem mediunidade e vão a ficar julgando encarnações passadas dos outros. Eles estão com fome e tristeza e ainda são acusados de terem sido tiranos no passado!

É claro que, para um país ultraconservador como o Brasil, em que só basta cobrir o corpo de tatuagens para parecer "moderno" mas se mantém pontos de vista de 40 anos atrás - até agora o país ainda está preso no atoleiro da Era Geisel, em muitos aspectos, o carro do progresso atolou em algum lodo perdido na Transamazônica - , faz sentido haver visões assim.

O povo é amontoado feito "gado", monta-se um "navio negreiro" da condenação moralista e juntam-se uns pobres coitados que o etnocentrismo astral dos "espíritas" supõem terem sido antigos tiranos e capatazes. As vítimas são as culpadas e os "espíritas" é que surgem como "heróis" bancando os bonzinhos e os misericordiosos.

"ESPÍRITAS" DIZEM PARA "NÃO JULGAR", MAS TÊM "DEDO ACUSADOR"

Daí essa presunção de querer julgar as coisas, contradizendo o próprio conselho de "não julgar". E dentro de um Brasil em que, silenciosamente, no Sul, se articulam movimentos de extrema-direita, a ideia do "dedo acusador" dos "espíritas" se torna profundamente assustadora.

O que se observa de retrocessos ideológicos no Brasil é de causar bastante pavor e isso tem muito mais a ver com o presságio de uma "Idade Média à brasileira" do que de um futuro promissor que certas correntes "espíritas" ainda se arrogam em dizer que surgirá sob as cinzas do "velho mundo".

No entanto, somos esnobados aqui e ali porque falamos que há projetos de teocracia aqui e ali, que Estados "modernos" como Rio de Janeiro e São Paulo foram tomados de um surto de provincianismo de deixar qualquer nortista boquiaberto, que há a mania de "religiosizar" as coisas e por aí vai. A turma da zona de conforto vomita seus julgamentos de valor e querem o monopólio da razão que ela não compreende.

Há neuroses machistas, racistas e fascistas por todos os lados, e mesmo em comunidades sobre festas na Internet há gente surpreendentemente fascista. Há até mesmo o medo surreal da sociedade brasileira de verem morrer feminicidas velhos que fumaram demais ou tomaram overdose de remédios, achando que quem divulga esses avisos está sendo cruel com "os velhinhos".

É, mas ninguém comenta sobre o sofrimento dos familiares das vítimas desses "velhinhos sofridos", que faleceram na casa dos 30 anos, E essas moças, cheias de sonhos, morreram cedo por causa de "reajustes espirituais"? E a dor de suas famílias, bem maior do que o sofrimento dos assassinos, ninguém leva em conta?

Mas dizer que esses assassinos, pelos descuidos que eles mesmos fizeram às suas saúdes, morrerão antes dos 85 anos é "ofensivo", porque, bem ou mal, eles simbolizam a ainda resistente catarse da "defesa da honra". Seria mais confortável dizer que esses feminicidas conjugais se arrastem até os 110 anos acreditando ter muito futuro pela frente.

Para os próprios "espíritas", muitos deles de classes abastadas, essas neuroses existem, e questioná-las é "muito injusto". Eles têm seus preconceitos, suas neuroses, e infelizmente mesmo pessoas tidas como "esclarecidas" mas presas ao status quo do "senso comum" do país midiatizado e mercantilista de hoje, possuem neuroses bastante obscurantistas.

A aceitação de algozes aqui e ali é explicada porque eles se servem a catarses pessoais contra este ou aquele valor bastante avançado e ousado. Há finalidades eugenistas aqui e ali, e o extermínio de mulheres e negros no Brasil é tolerado por uma parcela da sociedade que mistura preconceito social com julgamentos de valor moralista.

Infelizmente, questionar e analisar isso é bastante arriscado, no contexto ultraconservador do nosso país. Melhor seria que deixemos os "espíritas" no seu pedantismo julgador de tudo e de todos e dediquemos tempo vendo vídeos de bobagens nas mídias sociais, procurando Sociologia em cachorrinhos correndo atrás do próprio rabo.

É terrível que o Brasil invista nesse macartismo tropical, finja que odeia a Idade Média e pose de futurista. E isso é muito preocupante. As lições do período ditatorial não bastaram e já existem movimentos para o retorno a esse quadro tenebroso. Francamente, o Brasil virou o paraíso do reacionarismo. E a gente ainda tem que ter ânimo para ver vídeocassetadas no YouTube.

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