segunda-feira, 15 de junho de 2015
Ainda sobre Rádio Cidade e fundamentalismo juvenil
O fundamentalismo, sabemos, se dá quando certos movimentos fanáticos não conseguem apresentar justificativas consistentes e nem apreciam a causa defendida tal como realmente é. Cria-se uma concepção da causa defendida, que muitas vezes se torna diferente e até oposta à sua essência original, e tanto as verdadeiras motivações e razões tornam-se um grande mistério.
Contestá-las significa muitas vezes um risco porque o fanatismo é cego, não tem razões e as únicas "razões" que consegue ter não vão muito além da alegação de "porque sim" e "é assim que tem que ser, falou?". E isso é um grande risco, porque fundamentalismos escondem ignorância e incompreensões que podem representar a tirania da estupidez.
No Rio de Janeiro, a cultura jovem já nos dá um aspecto surreal desse fundamentalismo, que é a obsessão de uma parcela de cariocas (e de similares em Niterói e na Baixada Fluminense) em ver a marca Rádio Cidade associada à cultura rock, num vínculo inexplicável mas é defendido "na marra" por essa minoria barulhenta e "dona da verdade".
O histórico da Rádio Cidade nunca teve a ver com rock. A emissora carioca se consagrou, em 1977, no perfil pop dançante e criou uma revolução no dial FM dentro de uma fórmula assumidamente pop e sem inclinações de rebeldia.
A Cidade nunca teve vocação para ser rádio de rock, e, para piorar, não havia se interessado no segmento mesmo quando a Eldo Pop FM, rádio de rock carioca naqueles idos de 1977-1978, rumava para o fim.
Tinha que haver todo um engenhoso contexto social para que marcas mudem de significado de um sentido para outro. Deveria haver um respaldo muito grande e um objetivo bem preciso. Só que no caso da Rádio Cidade não há lógica alguma para ela mudar de uma tendência a outra, não há contexto nem outros motivos para que ela se "ressignificasse" no decorrer dos tempos.
Desde 1995 (descontando uma tímida aventura entre 1985 e 1988 no rock), a Rádio Cidade busca um vínculo "permanente" com a cultura rock, sem ter a menor competência para tal. Seu perfil nem de longe é especializado - pela equipe de locutores e grade de programação, dá para perceber que sempre foi uma rádio pop com vitrola "roqueira" - e seu desempenho é desastroso.
A rádio acumula uma série de incoerências, para começar pelo nome. Afinal, a quem interessa uma "rádio de rock" com o nome de Rádio Cidade? Não teria sido mais cômodo seus executivos terem extinto a rádio e sua marca e terem criado, nos 102,9 mhz, uma rádio de rock de verdade, com pessoal ligado ao ramo, sem locutores animadinhos e surgida do zero?
A emissora, através de seu desempenho, demonstra que não consegue cobrir sequer o básico da cultura rock. O espaço que dá ao gênero é essencialmente precário. Só para se ter uma ideia, a Rádio Cidade trata hits fáceis como "Hold Back the Water" do Bachman Turner Overdrive, de fácil acesso em rádios não-roqueiras, como se fosse um "clássico lado B".
A maioria dos programas da rádio não passa de clones de programas da Transamérica e Jovem Pan FM, rádios escancaradamente pop, e que não dizem muito - aliás, podemos dizer que nada dizem - para a cultura jovem roqueira. Até o futebol, esporte cuja associação com o rock é rejeitada por 99,99% dos torcedores da modalidade esportiva, tem espaço na programação da Cidade.
A emissora tenta, sozinha e com sua minoria de fanáticos, combater e contrariar todo um histórico e uma realidade cultural associada ao rock no mundo inteiro. É como uma pequena seita que usa um motivo qualquer como "bandeira", mas que, na prática, combate a própria tradição da causa apreciada e de todo um grande respaldo popular a essa tradição.
Diante de tantas irregularidades, a quem interessa a associação "permanente" entre Rádio Cidade e cultura rock? Até a audiência não deixa mentir, porque, apesar da mentira publicitária de que a boa audiência da emissora se deve a uma "maciça adesão de roqueiros", o que se vê na realidade é que, a título de novidade, a rádio apenas "tirou" ouvintes das emissoras concorrentes, como Mix FM, Transamérica, Nativa e FM O Dia, além da Beat 98, que, com isso, sucumbiu à extinção.
RAZÕES DO FUNDAMENTALISMO
Não dá para arriscar a perguntar na Internet as razões desse vínculo forçado, desse "casamento por conveniências" entre Rádio Cidade e cultura rock, porque o fanatismo de seus ouvintes, principalmente num meio de reacionarismo extremo que se tornaram as mídias sociais, nunca dará uma explicação coerente.
Pelo contrário, a histeria deles se limitará a dizer coisas como "é assim mesmo", "tem que ser rock na veia, mermão" ou coisa parecida. Não é preciso dizer que, ideologicamente, os "roqueiros da Cidade" não diferem muito dos jornalistas da revista Veja (famosa por nomes como Rodrigo Constantino e Reinaldo Azevedo).
Perto do reacionarismo dos ouvintes da Cidade, o roqueiro Lobão parece a Chapeuzinho Vermelho, já que os ouvintes da Cidade, nas mídias sociais, já expressaram de homofobia ao desejo de ver extinto o Poder Legislativo, com uma fúria golpista de deixar o neo-medieval Olavo de Carvalho de queixo caído.
O jeito é refletirmos por trás das aparências. Até porque esses ouvintes só defendem a "cultura rock" do próprio umbigo, demonstrando, em várias ocasiões, odiarem os clássicos do rock - não suportam mais de um minuto de acordes de "Smoke on the Water" do Deep Purple e "Back in Black" do AC/DC - e apostarem numa inexistente separação entre rock antigo e rock "contemporâneo", que nunca se vê no exterior.
O mais provável motivo desse vínculo forçado entre Rádio Cidade e cultura rock pode ser explicado pelas posturas diferentes, porém convergentes, entre um público ouvinte de rádio e os executivos da emissora, que, juntos, contribuem para esse empastelamento da cultura rock no Grande Rio.
Em primeiro lugar, há uma certa raiva de uma parcela de jovens com o antigo fenômeno Rádio Cidade, que simbolizava um tipo de rádio animada e descontraída da qual sentiam profundo ódio. A ideia de vincular o nome Rádio Cidade à cultura rock seria uma maneira de esculhambar com a rádio, uma forma de iconoclastia.
Essa iconoclastia não leva em conta a verdadeira valorização da cultura rock - até porque esses jovens desprezam todo um trabalho anterior feito por pessoas como Luiz Antônio Mello e os falecidos Big Boy e Alex Mariano em prol do segmento - , mas apenas para "zoar" com uma marca que foi um símbolo maior do pop mais eclético e ensolarado da juventude Zona Sul.
Neste caso, a "rádio rock" seria uma expressão dos novos-ricos da Barra-Recreio e de rebeldes-sem-causa da Baixada, embora depois a emissora se tornasse também uma outra expressão de jovens riquinhos de personalidade niilista e extremamente reacionários.
Em segundo lugar, os executivos da Rádio Cidade, ao verem o fenômeno da Fluminense FM - a rádio dirigida por Luiz Antônio Mello - conquistando um carisma ímpar, sofreram a frustração da emissora dos 102,9 mhz que, apesar do grande impacto no rádio FM e da formação de uma rede de rádios, não conquistou a mesma reputação que a emissora niteroiense obteve para a posteridade.
Dessa forma, juntaram-se duas formas diferentes de ver a questão, e aí jovens niilistas que, apesar da aparente rebeldia, são ultraconservadores, se convergiram com os executivos que não se satisfizeram com as conquistas alcançadas e passaram a ter inveja e cobiça pelo sucesso alheio.
Assim, os ouvintes que sentiam ódio profundo contra a simbologia pop da Rádio Cidade e os executivos que sentiam tristeza por ver sua rádio não ter tanto prestígio assim mudarem a orientação da programação da rádio, não de forma que se trabalhe uma "rádio de rock de verdade", coisa que a emissora nunca foi e não é provável que venha a ser, mas uma forma de iconoclastia e oportunismo.
Os fundamentalismos devem ser explicados dessa forma, de preferência sem que tenhamos que perguntar aos seus próprios fanáticos as razões envolvidas. Até porque isso é desaconselhável, já que os fundamentalistas são movidos pela paixão cega em que não cabem indagações nem qualquer esforço de coerência. O fanatismo só crê naquilo que defende e, acabou.
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