sábado, 23 de maio de 2015
"Espiritismo",vida adulta e a imaturidade moralista
O "espiritismo" brasileiro supervaloriza a instituição Família e prega a hierarquização familiar como se as posições sociais de pais e de filhos fosse algo fixo, pétreo, e que atravessa encarnações sem que as alterações sociais - os pais de hoje podem ser tio e madrinha amanhã - mudassem necessariamente as relações hierárquicas.
Existe até mesmo uma pregação moralista, na qual os filhos desobedientes serão "castigados", na próxima encarnação, sendo pais de filhos problemáticos. "Seja um bom menino hoje, obedeça o máximo que puder e até não puder, senão vai ser pai de um drogado que vai lhe furtar todos os seus pertences", é uma ameaça possível dentro dos meios "espíritas".
O "espiritismo" glamouriza o sofrimento e, juntando a isso com todo o seu desperdício de falar demais de Família e esquecer as relações com a vida espiritual - que, pasmem, não é uma especialidade confiável de nossos "espíritas" - , torna-se uma seita que ideologicamente, é muito cruel para as gerações mais jovens.
Daí, por exemplo, a espetacularização das mortes precoces, a transformação da imagem dos jovens mortos num exotismo quase sensual. Ou então a pregação de que os jovens têm que sofrer, sofrer e sofrer, até que, quando chegar o momento de terem alguma autonomia na vida, não têm mais a energia física para se divertirem e usarem a sua imaginação.
E quanto aos pais? Será que eles são realmente os portadores de presumida sabedoria, maturidade e sensatez inabalável que o "espiritismo" brasileiro, ao supervalorizar as hierarquias sociais que no fundo são restritas a aspectos bio-sociológicos da vida terrena, tanto supõe terem?
Não necessariamente. E, no caso dos pais que seguem o "espiritismo" brasileiro, a coisa se complica, porque a doutrina é uma espécie de contos de fadas para gente grande. Ela faz com que os pais acreditem em fantasias e cobrem dos filhos mais do que estes podem suportar e aguentar.
A REALIDADE DOS FILHOS
Os filhos não são uma mistura de super-heróis com animais domésticos que os pais tanto acreditam que seus descendentes diretos tenham. Filhos não vivem só num mundo de brinquedo e diversão e também nem sempre são dotados de opiniões e desejos mal formulados.
Os pais acham até que seus filhos possuem "sangue de barata" e não sofrem tristezas. Acham que, só por eles terem um lar e receberem dos pais todo o conforto do lar, os filhos não podem se entristecer ou sentir frustrações.
Os jovens rapazes se frustram porque não podem ter namoradas com a personalidade de uma Natalie Portman, enquanto atraem para si o assédio de moças de personalidade submissa, referenciais culturais lamentáveis e falta de percepção discernitiva do mundo afora. Mas os pais não entendem isso e são capazes de arrumar justamente essas moças para se casarem com os meninos.
O mercado de trabalho, com suas pressões intensas, que boicota pessoas diferenciadas porque aposta num perfil esquizofrênico de um profissional que junte mediocridade e criatividade profissional, juventude e experiência, e por isso é incapaz de aceitar pessoas que ultrapassem qualquer um desses limites.
Mas os pais não entendem isso e empurram os filhos a qualquer cilada. Em Salvador, há casos de pais de formandos em Jornalismo que os recomendam a trabalhar na Rádio Metrópole, e esnobam a recusa dos filhos como se fossem "frescuras ideológicas". "Você não tem que ter ideologia, tem que pensar é no trabalho e na renda", vocifera o pai, achando que está sendo realista com sua opinião.
Não está. Sabemos que a Rádio Metrópole, do traiçoeiro empresário e dublê de radiojornalista Mário Kertèsz - querido pelos "espíritas" por ter José Medrado como contratado - , se originou de um grave esquema de corrupção montado por ele e um comparsa depois envolvido com o "mensalão" de Marcos Valério.
Esse esquema envolveu duas empresas "fantasmas" que desviaram verbas públicas federais que seriam destinadas a obras urgentes de urbanização da capital baiana. As obras ficaram anos paralisadas e Kertèsz criou um patrimônio pessoal que o permitiu comprar ações em veículos midiáticos diversos.
Visando ser um poderoso barão da mídia local, ele chegou a ser sócio de uma emissora de rádio AM, duas de FM, uma retransmissora de rede de TV e ainda foi nomeado interventor do Jornal da Bahia, antigo periódico esquerdista, que Kertèsz fez questão de desmontar sua linha editorial e reduzir o periódico a um ridículo tabloide sensacionalista, sob a desculpa de "sanear as dívidas financeiras".
A memória curta até tentou inocentar Mário Kertèsz pelo fim do Jornal da Bahia, e mesmo os dois fundadores, João Falcão e Joca Teixeira Gomes, omitiram sua contribuição negativa temendo perder a visibilidade garantida pela Rádio Metrópole, supostamente aberta aos mais diversos segmentos da sociedade.
Mas, descrevendo isso, os pais não querem saber. Se, infelizmente, até se Fernandinho Beira-Mar fosse dono de FM e lançasse um programa sobre cuidados médicos, as melhores famílias iriam lhes dar ouvidos. Reclamar de aspectos sombrios virou "queixa ideológica" e os filhos que se recusam a compactuar com isso "perdem tempo com frescuras" que os impedem de "vencer na vida".
Os pais dificilmente entendem os direitos e desejos dos filhos. Sua prioridade é que os filhos obedeçam sempre, que se subjuguem a tudo apenas usando a esperteza e o bom humor - qualidades que, juntas, formam o paradigma do chamado "jogo de cintura" - para se darem bem na vida, aguentando qualquer mancada.
Para o moralismo "espírita", então, os jovens só podem aproveitar todo o seu tempo para se submeterem às imposições da vida, sofrerem todo tipo de pressão, perdendo uma boa oportunidade de aproveitar suas energias físicas para realizar seus desejos e potenciais, e contribuir para a transformação das vidas suas e as dos outros em sua volta.
A juventude, para tal ideologia, é apenas uma fase de cumprimento de obrigações. Só que, na medida em que o tempo passa e a meia-idade chega, por volta dos 45 anos de idade, as pessoas perdem a capacidade de se divertirem e até de saberem o que realmente querem na vida. Tornam-se pais e, vendo seus filhos jovens, esquecem os mais adultos que eles também foram filhos um dia.
Por isso, a vida adulta acaba se tornando imatura. A maior parte dos erros graves cometidos pelas pessoas é feita entre os 25 e 70 anos de idade, coisas que, dependendo do caso, são de um preocupante nível deplorável ou de uma aberrante tolice inconsequente.
Até a maioria esmagadora dos casais se unem sem que seus cônjuges realmente queiram estar juntos ou não. Mas, diante de valores sociais doentios da atualidade, o que se nota em muitos casais "modernos" é a solidão a dois e o fato de que as mulheres querem justamente ter mais tempo para ficarem sozinhas.
Nestes casos, a figura do marido, além de reduzida a de um protetor e provedor financeiro, dotado de alguma posição de poder, é também consolidada como uma figura simbólica a intimidar os pretendentes de assediar ou desejar fortemente namorarem a atraente esposa.
A vida adulta corrompe os desejos, vontades, e mesmo a compreensão discernitiva da sociedade. A rotina "pragmática", com seus vícios e frescuras, faz os adultos se tornarem mais inconsequentes do que os mais jovens. É certo que, na sociedade em que vivemos, mais menores de idade se envolvem em crimes. Mas isso é também fruto de toda a pressão imposta pela sociedade adulta.
A busca do dinheiro, a ascensão social e outros valores restritivos - até mesmo as "admiráveis" regras de etiqueta são um meio de discriminação social - fazem da vida adulta, simbolizada por pais de família tidos como "responsáveis" e "sábios", seja um antro de preconceitos, equívocos, desatenções, ilusões, fantasias, paranoias, desinteresses, preguiças, frescuras e tudo o mais de ruim.
A imaturidade moralista do "mundo" em que os pais vivem, portanto, se revela crua e preocupante já que até pessoas com mais de 55 anos com notável instrução e refinamento social são capazes de cometer crimes. Mas mesmo os que não cometem são apegados a pontos de vista e abordagens sociais antiquadas e ultrapassadas que a vaidade hierárquica imagina serem "acima dos tempos".
O "espiritismo" então piora as coisas, com suas fantasias e seu repertório moralista. Que realismo essa doutrina pode sugerir se, por exemplo, não é permitida uma biografia imparcial de Adolfo Bezerra de Menezes, que como seus contemporâneos Machado de Assis, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, tinha não só aspectos positivos mas também debilidades e falhas de conduta?
Talvez os pais pudessem entender as limitações dos filhos e a complexidade da sociedade em que se vive. Obedecer a tudo não é solução para todos os problemas, da mesma forma que combinar submissão e esperteza, que é o tal "jogo de cintura", forçando os filhos a, no âmago da tristeza, lideram com os outros como se tivessem sempre uma piada pronta para contar.
A vida é complexa e o "mundo adulto" é culpado por muitos erros e debilidades de sua natureza. Um "mundo adulto" da corrupção dos desejos, da castração de vontades, da imprudência quanto aos impulsos da raiva, da criação de preconceitos, das desconfianças, da tentação da desonestidade, da mentira e da cupidez, dos malabarismos discursivos diversos para justificar o pior com boas palavras.
O "mundo adulto" é culpado até mesmo pela criminalidade cometida pelos menores de idade, o que faz com que se torne duvidoso pedir a redução da maioridade penal, já que, por mais que os menores tenham mais consciência do crime que cometem, eles o fazem tomando como modelo o "mundo adulto" em que vivem.
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