terça-feira, 19 de maio de 2015
Brasil continua basicamente como se ainda estivesse na Era Geisel
A julgar pela patrulha do estabelecido que predomina na Internet, o Brasil parece que ainda vive na Era Geisel, com seu "senso comum" perdido entre a euforia econômica do "milagre brasileiro" do governo do general Emílio Garrastazu Médici e a democracia controlada do também general Ernesto Geisel.
O Brasil, desde o AI-5, quase nunca saiu daquele padrão de comportamento, de valores e de quem detém o poder da visibilidade e de decisão na sociedade dentro de um sistema ideológico que paira entre um moralismo severo e uma tecnocracia burocrática.
Por isso o país possui um contexto inverso ao de cinquenta anos atrás. Naquela época, a ditadura militar, que se autoproclamava um governo provisório, feito apenas para completar o tempo de mandato do governo de João Goulart, interrompido pelo golpe militar de 1964, mas depois se tornou definitivo pelas pressões dos generais de linha dura, ainda permitia um arremedo de democracia.
Do contrário de hoje, em que há uma tendência de acomodação das pessoas - sobretudo quando "brincam" com a Internet nos smartphones - , havia ainda um interesse de mobilização e questionamento das pessoas, embora aparentemente, tanto hoje quanto em 1965, haja um embate entre progressistas e reacionários.
Só que, antes, os progressistas haviam perdido a causa e tentavam recuperá-la de algum modo, Hoje, são os reacionários que veem ruir todo aquele padrão de valores em que acreditam e defendem, que os fazem reagir com seu conservadorismo que varia entre a moderada indignação e a expressão de ofensas e gozações, dependendo da natureza de cada indivíduo.
O sistema de valores que existe não permite uma plena qualidade de vida. Nem mesmo a cultura permite a profundidade das expressões de grande valor, mas apenas restritas aos limites tolerados pelo comercialismo que subestima a criação humana.
Na verdade, o que prevalece hoje em dia são valores considerados "pragmáticos", que apenas atendem a necessidades básicas. É como se, em vez de qualidade de vida, tivéssemos apenas o básico de sobrevivência. Ou, como questionava Arnaldo Antunes em "Comida", dos Titãs, "Bebida é água, comida é pasto".
Em todos os casos, há a mediocrização da cultura, do cotidiano, da mobilidade urbana, do feminismo, e tudo que é reduzido a um "pragmatismo", ao "mero atendimento do básico", dentro de uma normalidade forçada em que o poder dominante de políticos, empresários, tecnocratas e celebridades não pode ser questionado.
Por isso é compreensível que apareçam reacionários na Internet, pessoas de mentalidade retrógrada, por mais que adotem a roupagem "moderna" da aparente rebeldia. Sejam eles racistas, valentões, cyberbullies, "coxinhas" e tantos outros que sentem medo de que o "estabelecido" de hoje decaia com seus totens, símbolos e valores.
O Brasil ainda está provinciano, já que pensa a modernidade como se fosse há cem anos atrás. E seus totens diversos, como instituições, personalidades e outros, de Chico Xavier a Jaime Lerner, de Luciano Huck a DJ Marlboro, da Rádio Cidade (RJ) à Rede Globo, são endeusados não por qualidades realmente brilhantes, mas pelo "pragmatismo" paliativo com que representam.
Todos esses totens, de uma forma ou de outra, estão sendo largamente questionados, mas uma parcela influente da sociedade reage a isso com indignação. E não conseguem explicar por que aceitam a pretensa superioridade desses totens, mesmo com tantas e, não raro, graves imperfeições ou sérios equívocos.
Hoje começam a ser questionados esses e outros totens, vinculados a um sistema de valores que condizia mais à democracia controlada e ao atendimento parcial das necessidades, de preferência diante de tantos transtornos, lançada pelo governo de Ernesto Geisel.
O Brasil de Geisel continuou prevalecendo, se adaptando aos tempos e apenas sendo seriamente abalado durante o governo José Sarney, porque a redemocratização trouxe a relembrança dos últimos meses do governo João Goulart, o que fez o status quo reagir com o circo midiático apostando em Fernando Collor.
Agora, mais uma vez, questiona-se o "espírito dos tempos" do "pragmatismo" da Era Geisel, das medidas nem sempre benéficas mas "necessárias", da conversa fiada de que isso ou aquilo "não é aquela maravilha, mas até que está bem assim", ou que "todos erram e ninguém é perfeito", como desculpa para tamanha mediocridade em todos os sentidos.
De "rádios rock" sem personalidade aos ônibus com pintura padronizada, da supervalorização do futebol brasileiro à subvalorização das afinidades pessoais na vida amorosa, o "Brasil pragmático" tenta resistir com toda a sua doutrina da mediocridade e do atendimento apenas às necessidades "mais básicas", com toda a sua "modernidade de gabinete".
As transformações sociais que acontecem no país, no entanto, desafiam a validade e até mesmo a sobrevida desses totens, apesar da resistência férrea de tecnocratas, autoridades, executivos etc. Uma parcela da sociedade não quer admitir isso e acha essas pressões um "grande absurdo", mas já sentem que mesmo a sua supremacia na Internet começa a diminuir. Daí seu medo.
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