segunda-feira, 27 de abril de 2015

Reflexões sobre o questionamento do livro 'Nossa Nova Caminhada'

ESCOMBROS DA BOATE KISS, APÓS O TRÁGICO INCÊNDIO DE 2013.

Durante meses, um texto lidera as listas dos mais lidos deste blogue, Espíritos zombeteiros se divertem com o caso do livro 'Nossa Nova Caminhada', gerando um grande choque em muitas pessoas. A alta repercussão do texto não significa que ele tenha tido todo respaldo, antes ele tivesse desagradado muita gente.

Muitas pessoas se sentiram realmente chocadas. Afinal, a ideia era elogiar o livro e defini-lo como uma ação filantrópica de informar aos familiares dos mortos do incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria (RS) que as vítimas estão bem no mundo espiritual.

Mas, infelizmente, da forma como é o "espiritismo" brasileiro, isso se torna perigoso e traiçoeiro sob diversos aspectos. Sabemos que evocar os espíritos dos mortos, aliado a uma prática duvidosa de mediunidade - em que se valem mensagens apócrifas vindas da mente do "médium" - , não é uma prática recomendável, sob diversos aspectos.

Em primeiro lugar, isso prolonga demais as angústias familiares, ao expor uma tragédia que será alimentada pela publicidade midiática e pela exploração religiosa. Mostra as famílias dos mortos da pior forma, quando elas deveriam estar na privacidade, sofrendo e sendo amparadas com o máximo de discrição, em vez de transformar suas dores num circo sensacionalista.

É muito complicado querer o contato dos que já faleceram. Há aspectos muito variáveis. Em muitos casos, os próprios mortos continuam convivendo com seus entes queridos, mesmo já sem o corpo físico. Em outros casos, isso não acontece. Mas, de qualquer maneira, exigir que eles venham com mensagens é sempre algo muito arriscado.

E aí chega o caso de algumas famílias que perderam entes queridos na tragédia da boate gaúcha e que financiaram a produção de um livro com supostas mensagens psicografadas. No caso de Stéfane Posser Simeoni, uma jovem que morreu no incêndio, sua suposta mensagem espiritual apresentava garranchos que apontam irregularidades sérias.

Afinal, a mensagem era tida como "tranquilizadora" pelos familiares, tornando menos provável o garrancho, ainda mais quando a rasura indicava que o prenome Stéfane foi escrito inicialmente com "Sp" e não "St". O nome depois foi reescrito com caligrafia nervosa. O "médium" teria sido contagiado com serena positividade e também não teria feito tais garranchos. Analisamos detalhadamente o caso.

São contradições que mostram o quanto é perigoso solicitar mensagens dos mortos. E é isso que quisemos com o polêmico texto que está entre os mais lidos deste blogue. Evidentemente, ele causa um grande choque, principalmente nas pessoas envoltas no confortável transe emocional, normalmente produzido pelo "espiritismo" brasileiro.

Esse choque se deve ao fato que o texto que produzimos rompe com aquela suposta respeitabilidade das mensagens "mediúnicas" e da reputação dos supostos médiuns, e do mito da religiosidade plena que existe no mundo espiritual.

Normalmente, é preferível que se aceite como verídica uma falsidade ideológica que evoque apelos religiosos. Não obstante, prefere-se o apelo religioso à própria veracidade espiritual, vide o caso de Humberto de Campos, cuja obra atribuída a seu espírito destoa completamente do estilo que ele produziu em vida.

Humberto é o único autor que pôde ser apropriado por outra pessoa e que está vinculado a esta de maneira não só impune como abertamente aceita. Sim, Chico Xavier tornou-se "dono" de Humberto de Campos, como se observa na maioria dos itens da busca do Google usando somente o nome do autor de O Brasil Anedótico.

Mas todo mundo deixa passar, porque o apelo religioso vale mais do que a identidade de qualquer pessoa. Há quem acredite que os espíritos abrem mão de seus próprios talentos em nome de uma suposta "linguagem universal do amor", o que é um absurdo, mas não são poucos os que creem nisso com devoção.

E aí questionamos a produção do livro Nossa Nova Caminhada, colocando como polêmico título a ideia de espíritos zombeteiros estiverem se divertindo com a iniciativa. Não poucas pessoas reagem a isso como um comentário maledicente e insensível à "boa obra" que se está sendo produzida "em prol da caridade" e "sem fins lucrativos".

Só que isso não é maledicência. Afinal, o clima de emotividade produzido pelo "espiritismo" existente no Brasil é que vem de paixões terrenas e materiais, na medida em que a doutrina é inspirada em dogmas católicos, num misticismo piegas que compensa a fraca capacidade mediúnica de supostos médiuns, para não dizer incapacidade.

Cria-se uma doença infantil da devoção religiosa, que faz com que o "espiritismo" se torne um conto-de-fadas para gente idosa, uma água-com-açúcar para pais e mães que se tornam órfãos de filhos. Tomados do mais infantil sentimentalismo religioso, eles aceitam que seus filhos sejam associados a mensagens apócrifas de apelo religioso, porque a fé justifica qualquer absurdo.

Existe até uma piada em que a mensagem de um jovem falecido é verdadeira quando começa com "querida mamãe" ou "querido papai", ou algum querido responsável, parceiro ou tutor. A emotividade torna-se um gancho perigoso, as pessoas não raciocinam e a saudade imensa faz com que qualquer mensagem feita em nome do saudoso ente seja aceita como "verídica".

O "espiritismo" brasileiro explora as tragédias humanas. E faz publicidade delas, se aproveitando da emotividade da situação. Isso é ruim. Isso é perverso. E é isso que queremos dizer quando o polêmico texto foi escrito. É chocante, mas isso é benéfico por tirar as pessoas da zona do conforto da fé cega e enganadora.

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