sexta-feira, 10 de abril de 2015
Ed Motta e os roedores expõem feridas do suposto "Coração do Mundo"
O Brasil está em crise e dois episódios ocorridos ontem mostram as feridas abertas de 50 anos em crise, que causam choque na aparente normalidade que forçadamente se construiu num modelo de país esquizofrênico, como o Brasil se tornou depois de abril de 1964 e cujos absurdos não só ainda não foram superados como vieram outros, principalmente dos anos 1990 para cá.
Isso vai contra a suposta "profecia" do "dócil e meigo" Francisco Cândido Xavier, que havia "prenunciado" que o Brasil se tornaria um país próspero promovendo solidariedade e fraternidade, enquanto o "velho mundo" (Europa, EUA, Oriente Médio, Ásia e parte da Oceania) seriam destruídos pela "Mãe Natureza" (esposa de Deus?) por causa de suas supostas inclinações bélicas.
Pois justamente o Brasil está sofrendo sua pior crise, desde as tensões sociais de 2013 e 2014, época que os "espíritas" outrora acreditavam serem o começo de um tempo de paz e fraternidade e de muita prosperidade no país. Desde 2010 eles esperavam que o Brasil fosse assim, e desde então ficou o contrário.
Um dos episódios corresponde ao protesto de um funcionário da Câmara dos Deputados, Márcio Martins de Oliveira, que soltou cinco roedores no plenário da casa parlamentar, durante o depoimento do secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores (PT), João Vaccari Neto.
O funcionário, ao ser identificado, foi detido por seguranças e já foi anunciado que ele será exonerado do cargo. Os roedores eram dois ratos, dois hamsters e dois esquilos. Um dos roedores saiu ferido ao ser pisoteado e todos foram capturados bastante estressados com a ocasião, já que muitas pessoas se apavoraram com os animais sendo jogados no chão por Márcio.
Já o cantor e músico Ed Motta, em sua página no Facebook, escreveu um texto agradecendo o apoio da comunidade brasileira, mas ressaltando que na sua turnê europeia só toca canções em inglês e se comunica com a plateia com essa língua, não com o português vigente no Brasil.
Ed ainda criticou uma parcela de brasileiros, que ele chamou de "turminha simplória", que "vem beber cerveja barata com camiseta apertada tipo jogador de futebol, com aquele relógio branco, e começa gritar nome de time" e que pede para o cantor tocar "Manuel" (seu maior sucesso, mas que o cantor não toca mais ao vivo) e falar em português.
Os dois episódios criaram incômodos muito grandes. Quebraram a normalidade forçada por um país que desenvolve seus absurdos e os mascara dando a falsa impressão de que tudo está bem. Valores culturais, sociais, políticos, econômicos e de outras naturezas que se baseiam em processos excludentes e prejudiciais, embora trouxessem falsos benefícios e falsas vantagens, ainda prevalecem sem que haja uma reação organizada contra tudo isso.
Evidentemente, muitas pessoas não gostaram. O protesto de um funcionário que quis chamar a atenção diante da morosidade da Comissão Parlamentar de Inquérito, e de um músico brasileiro indignado com a mediocridade reinante, foram vistos, respectivamente, como ato de vandalismo e demonstração de arrogância. Queriam que os dois cumprissem quietos seus respectivos scripts.
Só que, desde 1964, o Brasil acumulou absurdos, injustiças, impunidades, arbítrios, perdas graduais de poder aquisitivo, que os brasileiros receberam, em primeira instância, de maneira forçadamente conformada, já que havia o governo militar e depois o AI-5. Mas, depois, o próprio Brasil pegou gosto de aceitar seus absurdos e retrocessos, aplaudindo até as piores decisões.
Criamos uma má pedagogia por causa da ditadura. Os brasileiros passaram a aceitar decisões que, por mais nocivas que sejam, são apoiadas por conta da reputação e status de alguém. Um Jaime Lerner, por exemplo, um dos "filhotes da ditadura" que hoje se passa por "progressista" por conta de um sistema de ônibus nocivo que só está causando acidentes, estressando rodoviários e fazendo os passageiros esperarem muito tempo para embarcarem no ônibus errado.
O Brasil retomou o complexo de vira-lata e, salvo exceções, passou a aceitar tudo de ruim. Quando muito, só reclama de certos absurdos pelas costas. As pessoas deixaram de desejar o melhor para elas mesmas e atribuem "superioridade" de certas elites arbitrárias por causa do diploma, da visibilidade, do prestígio político, do poder econômico etc.
Somos prejudicados e muitos de nós preferem acreditar que esses prejuízos, do arrocho salarial à pintura padronizada nos ônibus, da falta de atendimento médico à invasão de grotescos funqueiros nos redutos da MPB, são apenas "transtornos necessários" para um benefício futuro que, na verdade, nunca existirá e que não passa de conversa para boi dormir.
O Brasil chegou aos níveis surreais de muitos de seus arbítrios e injustiças, de seus desleixos, descasos e impunidades, que o país, em vez de ser a síntese dos mais diversos povos do mundo, tornou-se a síntese dos absurdos narrados nos livros de Franz Kafka, nas pinturas de Salvador Dali e nos filmes de Luís Buñuel, acrescida de um FEBEAPÁ que saiu do papel e sobreviveu à morte do seu criador Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto).
Na melhor das hipóteses, o Brasil tornou-se uma mixagem amalucada dos fatos fictícios narrados pelas obras 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, que dizem mais sobre o Brasil do que o tolo livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, que Chico Xavier e Antônio Wantuil de Freitas escreveram e usaram o nome de Humberto de Campos.
Aliás, as pessoas acreditam bovinamente na "superioridade" de Chico Xavier, figura típica desse país de absurdos. Ele errou muito e gravemente, transformando a Doutrina Espírita numa bagunça, causou escândalos sérios e problemas jurídicos graves, explorou as tragédias familiares de forma sensacionalista e no entanto seus seguidores querem vê-lo inocente de tudo quanto errou.
Eles querem que Chico Xavier seja mantido no seu pedestal, querem que ele seja visto como "espírito superior" de qualquer maneira, atropelando a lógica dos fatos e dos argumentos, e querem atribuir a ele funções de "cientista", "psicólogo", "socíólogo", "profeta" etc, coisas que ele nunca teve.
A impressão que se tem é que boa parte da sociedade brasileira, independente de ser "espírita" ou não, prefere que o Brasil naufrague sereno e silencioso na sua decadência, como queria um Chico Xavier que simboliza os valores conservadores enrustidos e o estereótipo de religiosidade e humildade do qual os hipócritas se apegam pela incapacidade de desenvolver tais qualidades por si mesmas.
Só que isso fará com que o Brasil não consiga progredir e seja vitimado por seus próprios vícios e teimosias, seus próprios descasos e arbitrariedades, suas próprias mentiras e violências e aí ele deixará de ser o virtual candidato a "farol da humanidade", virando ruínas de suas pretensões e omissões.
É contra esse Brasil viciado e acomodado que Márcio e Ed agiram. Com toda a certeza, eles desagradaram e irritaram muita gente. Mas é assim mesmo que acontece, diante de tanto marasmo que acontece nesse país.
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