sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O outro Chico que Allan Kardec teria reprovado


Em discurso recente, no Vaticano, o papa Francisco admitiu defender que os pais deem palmadas nos filhos com o objetivo de discipliná-los, desde que não deem tapas em seus rostos nem ameacem a dignidade das crianças.

""Os filhos precisam de um pai que os acolham ao voltarem para casa com seus fracassos. E os pais, às vezes, terão que castigá-los, mas nunca bater no rosto", alegou o pontífice, alegando que os pais precisam "castigar os filhos, quando necessário".

É inegável que a Igreja Católica tenha realizado avanços ideológicos, até em relação ao "espiritismo" feito no Brasil, que se desenvolveu como uma estranha fusão de algumas descobertas espíritas - reencarnação e vida espiritual, por exemplo - e o que há de menos coercitivo do Catolicismo português medieval.

No entanto, o Catolicismo, seja medieval ou não, mantém seus ritos, procedimentos e ideias que são voltados ao moralismo extremo e ao misticismo surreal, daí serem mantidas a disciplina paternal e narrativas fabulosas como a suposta façanha de Moisés de "rasgar" o Mar Vermelho, numa má interpretação dos movimentos de maré alta ou baixa.

Por isso, volta e meia um pontífice acaba aprovando as palmadas em crianças, animando a turma da Tradição, Família e Propriedade que, pelo jeito, tem equivalentes nas mídias sociais que representam o Tradição, Família e Palmadinha.

O grande problema é que, não raro, as palmadinhas em crianças produzem pessoas revoltadas e indignadas, mesmo que as palmadas não se expressem como tabefes no rosto, restrição citada pelo papa Francisco. Muitas das pessoas temperamentais e violentas foram, na verdade, crianças que receberam alguma surra ou castigo extremo.

Em muitos casos, a surra em crianças, mesmo apoiada por pretextos moralistas, é tão prejudicial quanto a pedofilia, porque em ambos os casos ocorrem traumas que criam perturbações na vida adulta que podem impulsionar os indivíduos a cometerem graves erros e até crimes, ou então viverem sob o domínio do medo e adotarem fobias sociais.

PROFESSOR RIVAIL ESTAVA PREOCUPADO COM VIOLÊNCIA EM CRIANÇAS

Bem antes de conhecer os fenômenos espíritas e usar o codinome Allan Kardec, o então jovem professor Hippolyte Rivail era um renomado e reconhecido pedagogo especializado em educação infantil, discípulo de Pestalozzi e com vários trabalhos publicados, entre livros e artigos.

Rivail estava bastante preocupado com a punição dos pais dando castigos severos e surras em crianças, como suposta forma de discipliná-las. Ele sabia que o objetivo de disciplina não era alcançado, e que os simples berros dados por crianças violentadas por essa medida "disciplinadora" poderia trazer consequências drásticas no futuro.

Ele estabeleceu uma série de procedimentos educacionais, seja o que ele chamava de "educação pública" - como ele definia o ambiente escolar, independente de ser de administração pública ou privada, embora ele fosse defensor do ensino gratuito - e "educação particular" - como Rivail definia a educação doméstica, dentro de casa - , visando resolver os dilemas da educação infantil de então.

Rivail expressou suas propostas humanistas, visando dar estímulos, e não coerções, ao desenvolvimento moral das crianças, incentivando seu aprendizado e motivando seu espírito de forma que as crianças pudessem ser parceiras de seus pais, e não pessoas subjugadas a seu domínio.

Desse modo, Rivail já mostrava os argumentos lógicos que se estenderiam à Doutrina Espírita cujos conceitos ainda não foram integralmente apreciados nem debatidos no Brasil. Pelo contrário, deturpações comprometeram a apreciação das ideias kardecianas, através dos abusos impunemente feitos por Chico Xavier.

Pelo jeito, Chico Xavier, um dos maiores anti-ativistas do Brasil, espécie de "AI-5 do amor", iria corroborar as declarações de seu xará, se vivo fosse, e recomendasse às inocentes criancinhas o silêncio da prece, a servidão com fé e a resignação com o sofrimento.

Com base na "sabedoria" de Chico Xavier, se tais crianças se converterem em pessoas violentas, devemos aceitar sem queixumes: tais pessoas, com seus erros gravíssimos, são apenas "agentes de resgates espirituais" de suas vítimas "culpadas de outras vidas" e que aos algozes de hoje só se espera a "punição do tempo", mesmo que seja para daqui a duas encarnações.

É permitido o fiado para os infratores espirituais, de acordo com o "espiritismo" brasileiro. Erra-se hoje para pagar as consequências para daqui a, pelo menos, cem anos.

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