domingo, 7 de dezembro de 2014
A "dócil" censura do jesuíta Emmanuel
Há um conhecido texto do jesuíta Emmanuel, o traiçoeiro espírito que se tornou o chefe de Francisco Cândido Xavier, guiando-o, sob a cumplicidade confortável deste, nas violentas deturpações feitas contra a Doutrina Espírita no Brasil.
Esse texto, intitulado "Não Censures", capítulo 49 do livro Rumo Certo, um dos poucos que podem ter sido realmente psicografados por Chico Xavier, na verdade é uma censura em si, até pelo contexto do lançamento do livro.
Anotem o ano de sua publicação original: 1971. É o ano de vigência do Ato Institucional Número Cinco, o AI-5, lançado pouco mais de dois anos antes, e nessa época a repressão militar estava a todo vapor. É nesse ano, por exemplo, que o político do PTB paulista, Rubens Paiva, pai do jornalista, romancista e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva, foi detido e morto nos porões do DOI-CODI.
No mesmo ano, porém, foi transmitida a entrevista de Chico Xavier ao programa Pinga-Fogo, da TV Tupi de São Paulo. Nela, entre outras coisas, Chico pede para que oremos para os generais, por que eles estavam preparando o "reino de luz" que seria o Brasil no futuro, na visão do anti-médium mineiro.
Um Chico que acredita que os generais que prendem, torturam e matam estão preparando o "reino de luz", o tal "Coração do Mundo" predito décadas antes, seria capaz de lançar um livro cujo capítulo, de número 49, pede para "não censurar"?
Não há um registro de que o livro Rumo Certo, por conta desse capítulo, tenha sido apreendido pela Censura Federal. Da mesma maneira, não há conhecimento de que os oficiais do DOI-CODI, o citado órgão de repressão ditatorial, tenha formulado alguma ordem de prisão contra Chico Xavier - que defendia a ditadura militar - por conta de tamanho conteúdo.
A nosso ver, da mesma maneira, o texto "Não Censures" também não é um recado para os generais e seus subordinados respeitarem os "subversivos", porque também não há registro que comprove ou considere provável que Rumo Certo seja destinado ao público servidor das Forças Armadas. Rumo Certo, ao que nos parece, é destinado aos cidadãos comuns, de preferência civis, e aí está o problema.
O QUE DIZ O TEXTO
Emmanuel, o "Ermano" (irmão, em português arcaico) Manuel da Nóbrega dos tempos do Brasil colonial, é conhecido, tanto na sua trajetória como "mentor" de Chico Xavier como a do padre jesuíta que aprendemos nas aulas de História do Brasil, pelo seu estilo autoritário, mas pela sua habilidade de fingir assimilar as culturas dos outros para depois impor a sua, que é a tal "inculturação".
Machista, racista, escravagista, prepotente, cruel e até com intenções assassinas, o antigo Manuel da Nóbrega, redivivo em Emmanuel, mantém em boa parte seus preconceitos moralistas, tanto que ainda expressava ideais fortemente machistas em 1941, quando o Feminismo já crescia em diversas partes do mundo.
O capítulo "Não Censures", na verdade, é uma censura ao nosso senso crítico. O título tem uma tradução subliminar: "Não Questiones os Erros que Fizemos do Espiritismo", e é uma forma dócil de censurar os nossos questionamentos, a expressão honesta de nosso raciocínio.
Nem é preciso explicar muito por que o texto de Emmanuel vai contra as ideias de Allan Kardec. O pedagogo francês era o oposto do jesuíta, pois estimulava o debate, o questionamento, a reflexão, a polêmica e o exame.
O próprio Kardec não temia ser contestado ou mesmo posto à prova, desde que os princípios lógicos, a honestidade, a ética e a coerência estivessem em primeiro lugar, acima até mesmo do próprio pedagogo da Codificação, que não temia reformular sua teoria se isso fosse necessário para se manter de acordo com a lógica e a coerência.
Eis o que descreve o "doce" capítulo de Rumo Certo: "Onde o mal apareça, retifiquemos amando, empreendendo semelhante trabalho a partir de nós mesmos". Claro, é a tal "reforma íntima", o "auto-conhecimento", não podemos mudar o mundo, apenas temos que mudar nós mesmos, de modo a que passemos apenas a engolir sapos e viver um cotidiano surreal e injusto.
Claro, em 1971 o pessoal deveria "retificar amando", de preferência sorrindo para truculentos generais, coronéis e sargentos que tiravam os entes queridos de muita gente, prendendo, torturando até com choques elétricos com os pés enfiados em balde de água, gente que depois é morta e jogada num lugar qualquer, sem que seus familiares possam ter algum conhecimento de onde estão os corpos.
Ah, mas o "movimento espírita" brasileiro fala em "resgates espirituais". Os generais e seus subordinados apenas "cumpriram seu dever" de "resgates coletivos". As vítimas é que são as culpadas, e os cidadãos de bem são convidados pelos líderes "espíritas" a agradecer aos milicos pela "dádiva" dos "reajustes espirituais", daí construir o tal "reino de luz" sob o sangue de muitos inocentes.
Outra frase do padre-general Emmanuel: "sempre que nos vejamos defrontados por dificuldades e incompreensões, saibamos servir com paciência e aprenderemos que, à frente dos problemas da vida, sejam eles quais forem, não existem razões para que venhamos a esmorecer ou desesperar".
Até a inesquecível Brittany Murphy, atriz de As Patricinhas de Beverly Hills (Clueless), havia dito frases bem mais simples, simpáticas, revigorantes, esperançosas e sem o sadismo hipócrita e de palavras macias mas prolixas do jesuíta, sobre o tema da paciência ante as dificuldades da vida.
Com Emmanuel, não há esperança em suas mensagens. A FEB, que detém o passe de Chico Xavier, antigo responsável terreno dos textos de Emmanuel, deveria ser processada pelos herdeiros de Péricles Maranhão pelos plágios que o jesuíta faz do Amigo da Onça, aquele personagem que ficava feliz com o sofrimento alheio (são os "resgates espirituais"...).
Os textos de Emmanuel funcionam da seguinte forma: você sofre, se angustia, tem azar, limitações plenas, a tragédia bate à sua porta, coisas dão errado etc etc etc e lá vem o padreco dizer que você é um bem-aventurado e que recebeu um turbilhão de bênçãos. Se ao menos bênçãos matassem a fome e pagassem as contas do mês, seria alguma coisa.
Mas bênçãos não pagam contas nem matam fome. Portanto, não procede. Só mesmo os masoquistas que ainda dão ouvidos para Chico Xavier, Emmanuel e seus comparsas conseguem ver "esperança" nessas mensagens em que alguém tem que ficar feliz por ser azarado por causa da "vida futura", "resgates espirituais", "reajustes morais" e blá blá blá.
E tudo isso é dito enquanto o "espiritismo" brasileiro pratica fraudes, mentiras, pregações moralistas, interpretações erradas da doutrina de Allan Kardec, entre tantos erros graves e propositalmente feitos, em muitos casos piores do que muitas seitas pretensamente "evangélicas" que pipocam por aí.
Emmanuel não quis questionar os censores. Ele quis, na verdade, completar, no aspecto religioso, a tarefa de censura da ditadura militar. Como que numa inversão de discurso, Emmanuel, quando diz para "não censurarmos", na verdade está censurando nossa capacidade de questionar e identificar os erros graves que o "movimento espírita" brasileiro faz em mais de 100 anos de trajetória.
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