segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Suposta previsão de André Luiz, em 1952, evoca ufanismo mineiro

ILUSTRAÇÃO DO SUPOSTO ESPÍRITO ANDRÉ LUIZ E SEU VERDADEIRO CRIADOR, O EX-PARCEIRO DE CHICO XAVIER, WALDO VIEIRA. ENTRE ELES, O LIVRO CONDUTA ESPÍRITA, LANÇADO EM 1960.

Em época eleitoral, anda circulando pelas mídias sociais ou mesmo em diversos espaços na Internet uma suposta profecia atribuída ao espírito André Luiz, na verdade um alter-ego do ex-parceiro de Chico Xavier, Waldo Vieira.

Antes de detalharmos essa suposta previsão, deixamos claro que a constatação de que André Luiz não teria sido Carlos Chagas, Osvaldo Cruz nem Faustino Esporel mas tão somente um personagem fictício de Waldo Vieira procede, na medida em que as ideias "científicas" do suposto André Luiz coincidem perfeitamente com as de Waldo na sua nova seita, a Conscienciologia.

A suposta previsão teria sido dada por Francisco Cândido Xavier durante uma reunião no "centro espírita" Jesus de Nazareno, em Congonhas (MG), em 23 de dezembro de 1952. Consta-se que a reunião possui registro na Câmara de Vereadores daquela cidade, conhecida pelo catolicismo do artista plástico Aleijadinho.

Aparentemente, a previsão indica fatos "acertados", como a eleição de Juscelino Kubitschek, a construção de Brasília e a eleição de Tancredo Neves, cuja posse foi impedida pela doença que o levou a morte.

Mas até que ponto tais previsões são "acertadas"? Há quem diga que essa suposta previsão não foi mais que uma invenção de tempo posterior, bem típica dos relatos biográficos dos seguidores de Chico Xavier. Inventaram até que ele voava sobre as águas, assim como inventaram que Bezerra de Menezes se materializava até para dirigir caminhão!

Aqui está a suposta profecia, que mistura misticismo esotérico com pregação religiosa, sem no entanto investir abertamente nos jargões dessas duas áreas:

"No meio à crise virá um homem da terra do mártir Tiradentes e, apesar das pressões, muito fará pelo Brasil, inclusive, que será o criador de uma cidade jardim tal qual o Éden, diferente de todas as cidades.

Tempos depois, quando as trevas do calabouço autoritário se dissipar, a ele se seguirá um outro mineiro, que projetará a esperança, conquistará o povo trazendo uma nova onda de patriotismo para o país. Mas que não tomará posse. Morrerá antes.

Será substituído por outro que muita confusão irá criar e, na sua saída, vai deixar a nação abalada; e deste abalo vai começar o período crítico, por anos e anos.

Até que, na segunda década de um novo milênio, o homem de patriotismo, vindo também da terra de Tiradentes, irá cercar-se de outros e vão derrubar a viga mestra da confusão. E então muita coisa nova vai acontecer. Muitas nações passarão a dar crédito e respeito ao Brasil".

Com uma narrativa "diferente" do discurso emmanueliano, a suposta profecia merece alguns questionamentos, cada um referente a cada parágrafo do referido texto de 1952. O único aspecto de religiosismo claramente descrito no texto se refere à citação do Éden, que é uma alegoria do paraíso católico.

Neste primeiro parágrafo, o texto nem de longe é profético. Afinal, ele claramente se refere a Juscelino Kubitschek. Se levarmos em conta o contexto de 1952, observa-se que Juscelino, então governador de Minas Gerais, desejava ser presidente da República na época, e a construção de Brasília era um dispositivo previsto na Constituição de 1946, vigente então.

O segundo parágrafo, que contradiz à defesa que Chico Xavier ("porta-voz" da mensagem) fez à ditadura militar durante entrevista ao Pinga-Fogo (programa da TV Tupi de São Paulo), em 1971, supostamente descreve a trajetória de Tancredo Neves.

Pois, se levarmos fé nessa declaração, fica estranho Chico Xavier mencionar o "calabouço autoritário" quando, no auge dos "anos de chumbo", ele afirmava que os generais estavam preparando o "reino de luz" dos tempos futuros.

O terceiro parágrafo supostamente se refere a José Sarney, mas dentro de uma abordagem mais típica de 1989 - ano do qual atribui o primeiro relato dessa "profecia" - , quando o governo, marcado antes pelo otimismo do Plano Cruzado, atravessava uma crise aguda, gerando a "hiperinflação".

No mesmo parágrafo é também anunciado o longo "período crítico", simbolizado pela Era Collor, que no entanto era defendida com gosto por Chico Xavier, que na época da campanha do dito "caçador de marajás", defendia este candidato, alegando que era a "reencarnação" do primeiro presidente da República, o marechal Deodoro da Fonseca.

No quarto parágrafo, surge então o anúncio de "um mineiro", "homem de patriotismo", iria derrubar a "viga mestra da confusão" na segunda década "de um novo milênio". Bom, no começo da referida década foi eleita uma mulher, a mineira Dilma Rousseff, nascida em Belo Horizonte, e a confusão não foi derrubada, só se agravando.

Na segunda interpretação, o "homem de patriotismo" seria Aécio Neves, que, apesar de ser neto de Tancredo Neves, também não parece ser o homem que irá derrubar a "viga mestra da confusão", antes a agravasse também, porque o contexto do Brasil ainda é de muita confusão e crise.

O texto lido por Chico Xavier mais parece um palpite de seu então parceiro Waldo Vieira, ou então algum relato dado por terceiros. E o tal registro da mensagem "mediúnica"? O que se sabe é que, com uma análise muito cuidadosa dos fatos históricos, fora a coincidência da morte de Tancredo Neves antes de chegar ao poder, a suposta previsão soa confusa e contraditória.

Se as supostas previsões do pretenso André Luiz fossem como as apostas da Mega-Sena, André, ou melhor, Waldo Vieira não teria ganho o prêmio principal e nem chegado à quadra ou a quina. Teria perdido com apenas um palpite acertado, já que não vale apostar em 1952 nas já previsíveis ideias de Juscelino presidente e Brasília como nova capital do país, projetos já plausíveis na época.

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