sexta-feira, 31 de outubro de 2014
Como teria surgido o "roustainguismo light"?
"Amigos, amigos, negócios à parte". O famoso ditado popular deve ser observado também quando, no círculo social das lideranças espíritas, autênticas ou não, existem até relações de amizade que, no entanto, são maculadas pelos interesses mesquinhos da deturpação de suas práticas.
Nota-se que a campanha de união do "movimento espírita" sempre priorizou o lado religioso, e as crises que a FEB sofreu ao longo do tempo resultaram em pressões diversas que não fizeram com que se aproxime à fidelidade aos conhecimentos da Doutrina Espírita, mas na criação de um "espiritismo" supostamente de meio-termo que continua muito distante de Allan Kardec.
Consta-se que as pressões ocorridas contrariamente ao roustanguismo da FEB teriam tido seu auge entre 1973 e 1985, com a intensa reação contra os escândalos trazidos pelas deturpações do "movimento espírita".
Houve de tudo, até mesmo uma nova tradução que deturpasse cada vez mais o texto de Allan Kardec. Mas o certo é que o desgaste do roustanguismo e de sua tese neo-docetista do "Jesus fluídico" tivesse influenciado uma revisão de posturas.
A cúpula da FEB, a partir de figuras como Francisco Thiesen e Luciano dos Anjos, resistia a atender os interesses das federações regionais. O poder concentrado da FEB, em sua sede em Brasília e, quando muito, aos dirigentes da filial do Rio de Janeiro - antiga cidade-sede da instituição - , pode ter posto a perder a postura radical e assumidamente vinculada ao misticismo de Roustaing.
Foram fatores diversos que poderiam ter feito desgastar a reputação da obra de Jean-Baptiste Roustaing no "movimento espírita", com escândalos que repercutiram negativamente na imprensa e que expuseram, nos meios ditos espíritas, uma série de conflitos de interesses e brigas violentas. Houve quem tivesse sido ameaçado de represálias por recusar a apoiar o roustanguismo.
O docetismo renovado de Jean-Baptiste Roustaing, que transformava Jesus num fantasma, num espectro que não sentia as dores humanas, a pretexto de Jesus ter sido uma "criatura excepcional", revoltou até mesmo setores conservadores do "movimento espírita" e até de setores católicos, pelo fato de que Jesus teria sido um ser sobrenatural e não um humano.
Daí que o roustanguismo descrito nas ideias contidas nos volumes de Os Quatro Evangelhos - três, no original francês, quatro na edição brasileira da FEB - foi visto como uma ideologia radical e surreal, enquanto se projetavam visões humanistas contrárias a ele, trazidas por nomes como Deolindo Amorim, Carlos Imbassahy e José Herculano Pires.
PRESSÕES FORÇARAM O "MOVIMENTO ESPÍRITA" A SE REESTRUTURAR
Enquanto se ascendiam os movimentos pela volta às bases doutrinárias de Allan Kardec no Brasil, desgastando a corrente roustanguista pelo isolacionismo da cúpula da FEB, antigos astros do "movimento espírita" teriam, de forma tendenciosa, passado a "defender Kardec" vendo que o barco da corrente roustanguista estava se afundando.
Chico Xavier e Divaldo Franco, por exemplo, sempre tiveram a mesma orientação espiritólica que norteou os roustanguistas. O primeiro dos dois já havia colaborado com a defesa de Roustaing, enquanto o segundo não tinha uma posição explícita a respeito. Por outro lado, eles eram também amigos de líderes espíritas autênticos, e decidiram adotar uma postura "diferente" da anterior.
A cúpula da FEB dos idos de 1973-1975 se isolou e o falecimento, em 1974, de Antônio Wantuil de Freitas complicou as coisas. As denúncias e os escândalos naqueles tempos muito tensos - é bom deixar claro que vivia-se o apogeu da ditadura militar, com as revoltas humanas sufocadas pelo cenário político - fizeram com que o "movimento espírita" tivesse que se reestruturar.
Dessa forma, as teses mais delirantes - como o "Jesus fluídico", os "criptógamos carnudos" e o retrocesso do espírito na reencarnação - puseram abaixo todo aquele posicionamento claramente roustanguista, enquanto se planejava uma aparente mudança de orientação do "movimento espírita".
Tudo levava a crer que Roustaing seria "sepultado" e que o "movimento espírita" teria resolvido seus piores problemas, passando a assumir uma fidelidade maior às ideias de Allan Kardec e a abraçar suas teses racionais por definitivo. Mas não foi bem assim que isso aconteceu.
O PROBLEMA NÃO SE RESOLVEU E ATÉ PIOROU
O que se nota é que o problema do antigo desprezo a Allan Kardec em prol de Roustaing não foi resolvido. A suposta fidelidade ao Codificador não se efetivou realmente, e o que aconteceu foi que o "movimento espírita" acabou adotando uma versão light do roustanguismo, com algumas mudanças estratégicas.
Jean-Baptiste Roustaing passaria a ser visto como uma figura incômoda condenada ao desprezo. Mas o religiosismo de Os Quatro Evangelhos seria preservado, tirando apenas as teses mais delirantes, acima citadas. Mas aí a FEB já publicou obras brasileiras que já absorveram o "melhor" de Os Quatro Evangelhos, sem precisar recorrer ao original.
Isso permitiu que o roustanguismo fosse, em tese, rompido, mas seu legado mantido em sua essência. Criou-se um "neo-catolicismo" no "movimento espírita" sem que precise recorrer diretamente ao advogado de Bordeaux. As obras de Chico Xavier já substituíram Roustaing nesse norteamento do "catolicismo espírita".
A partir dessa manobra, dava para assumir uma aparente defesa a Allan Kardec, também "amenizado" pelas traduções catolicizantes a partir da de Guillon Ribeiro, e adotar um religiosismo camuflado num pseudo-cientificismo.
Daí que o problema não se resolveu e até piorou. Pois, antes, o roustanguismo pelo menos tinha sua cara, hoje adotou uma máscara. Criou-se uma gororoba ideológica, em que se misturam moralismo científico, misticismo esotérico e pseudo-cientificismo, criando uma doutrina cada vez mais piegas e igualmente distanciada dos ensinamentos de Allan Kardec.
Ele reforçou ainda mais as deturpações sofridas pela Doutrina Espírita no Brasil, estabilizando-se o que já era feito nos tempos do roustanguismo assumido. E se Roustaing era a figura mais incômoda no seu proselitismo religioso, hoje são as ideias associadas a Chico Xavier, Emmanuel, André Luiz, Divaldo Franco e outros que passaram a valer mais.
Além disso, as fraudes não terminaram, como se nota nas falsas mensagens mediúnicas que envolvem quadros falsificados, plágios literários, falsetes e proselitismo religioso mal-disfarçado em mensagens apócrifas atribuídas a celebridades mortas. E fala-se mais, da maneira mais piegas possível, de ideias como "fraternidade", "luz", "amor" e "caridade" sem despertar algo realmente novo e edificante.
Com isso, o que se nota é que o Espiritismo no Brasil se transformou num engodo pior ainda. Roustaing está repousando nos sótãos do "movimento espírita" com seus "criptógamos" e seu "Jesus fluídico". Mas, de resto, ele segue firme e forte através das adaptações de Chico Xavier e companhia, o que faz que a tal "fidelidade a Allan Kardec" não passasse de conversa para boi dormir.
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