terça-feira, 5 de agosto de 2014

'Parnaso de Além-Túmulo' pode ter sido mesmo feito por equipe da FEB

INTERIOR DA ANTIGA SEDE NACIONAL, E HOJE FILIAL, DA FEDERAÇÃO "ESPÍRITA" BRASILEIRA, NO CENTRO DO RIO DE JANEIRO.

Analisando o episódio do livro Parnaso de Além-Túmulo, suposta antologia de diversos poetas colhida por Chico Xavier, observa-se uma série de controvérsias, muitas delas bem graves, que eliminam de vez a hipótese de considerar o livro tanto como uma confiável publicação de mensagens benfeitoras como um documento mediúnico das obras espirituais de diversos escritores.

Mudanças editoriais chamam muito a atenção pelo fato de que um livro que se pretenda obra sublime das poesias espirituais tenha que ser reparado e emendado e, não bastando isso, por demais de duas décadas, e ainda por cima diante de situações bastante problemáticas.

Isso desarma aqueles que viam no livro um documento mediúnico indiscutível ou uma fonte de mensagens sublimes de absoluta confiabilidade. E mesmo os defensores do livro, quando argumentaram que Chico deveria ser talentoso demais para realizar qualquer pastiche, não repararam em certos detalhes.

Em primeiro lugar, o jornalista, professor e escritor João de Scantimburgo, entre tantas outras pessoas, teriam considerado que Chico Xavier era um ávido leitor de livros, uma tese "minimizada" pelos defensores do livro e do anti-médium, por ser um hábito "incapaz" de fazê-lo um habilidoso plagiador de estilos poéticos e literários diversos.

Essa hipótese do Chico leitor de livros é confirmada em vários relatos, que mostram que uma das exigências do mineiro era de reservar sempre uma estante para livros em cada hospedagem. Os repórteres de O Cruzeiro, David Nasser e Jean Manzon, também testemunharam isso, quando faziam a reportagem Chico Xavier: Detetive do Além.

Nota-se também que, apesar de ser um livro apologista ao mito de Xavier, a obra Testemunhos de Chico Xavier, de Suely Caldas Schubert, ao reunir cartas de Chico ao então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, deixa vazar as negociações com a editora acerca das mudanças que foram feitas ou que eram necessárias em cada reedição de Parnaso de Além-Túmulo.

A correspondência de Chico e Wantuil, dessa forma, deixa subentender que havia uma equipe editorial na FEB envolvida com o processo. No caso da mensagem que Chico escreveu a Wantuil, datada de 03 de maio de 1947, além de divulgar que Wantuil lia e fazia as revisões, neste caso para a elaboração da quinta edição, Chico admitiu que o trabalho era conjunto e tinha colaboração de terceiros:

Grato pelos teus apontamentos alusivos ao “Parnaso” para a próxima edição. Faltam-me competência e possibilidade para cooperar numa revisão meticulosa, motivo pelo qual o teu propósito de fazer esse trabalho com a colaboração do nosso estimado Dr. Porto Carreiro é uma iniciativa feliz. Na ocasião em que o serviço estiver pronto, se puderes me proporcionar a “vista ligeira” de um volume corrigido, ficarei muito contente, pois isso dará oportunidade de ouvir os
Amigos Espirituais, em algum ponto de maior ou menor dúvida. Há uma poesia, sobre a qual sempre pedi socorro, mas continua imperfeita desde a primeira edição. É aquela “Aves e Anjos” (...). Ela termina assim: “Sorrindo... Cantando...” e não “Sorrindo... Sorrindo...”, como vem sendo impresso.

Sim. Isso mesmo. A tese, considerada "mirabolante" pelos partidários de Chico Xavier e divulgada por católicos considerados "radicais" - mesmo o conservador e, depois, moderado escritor Alceu Amoroso Lima, sob o pseudônimo de Tristão de Athayde - , de que Parnaso de Além-Túmulo seria feito por uma comissão de escritores (ou editores), tem um surpreendente sentido de verdade.

Neste trecho, Chico afirma que não tem competência nem possibilidade para cooperar numa revisão meticulosa, admitindo que precisava da colaboração de Wantuil e de Luiz Carlos Porto Carreiro Neto, membro da equipe editorial da FEB, para a preparação da referida edição, que levou dez anos em relação à precedente, a quarta, de 1945.

O QUE REALMENTE PODE TER ACONTECIDO

O que se pode afirmar, através dessa investigação, é que Chico Xavier era um ávido leitor de livros. Era também um excelente escritor, mas dentro de seus limites. Poderia até mesmo imitar boa parte dos estilos poéticos conhecidos, mas não todos, o que não significa que Parnaso de Além-Túmulo seja um trabalho realmente psicografado.

Afinal, especialistas literários diversos, entre eles o escritor e ensaísta Osório Borba, apontava séria queda de qualidade nos poemas atribuídos aos espíritos falecidos. Milton Barbosa, advogado dos herdeiros de Humberto de Campos, também disse semelhante postura, quando analisava o processo envolvendo o livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.

As revisões dos poemas atribuídos, incluindo autores como Auta de Souza, Augusto dos Anjos e outros, envolveram "correções" na métrica, o que indica que, quando esses poemas foram lançados, era notável a queda de qualidade dos mesmos em relação ao que os autores atribuídos faziam em vida. E o próprio processo de revisão, admitido pelo próprio Chico, já denuncia essa situação.

As cartas que Chico escreveu para Wantuil já indica que o anti-médium não fazia o trabalho sozinho. No exemplo mostrado, o mineiro reclamava de não ter possibilidade, provavelmente por falta de tempo, de fazer revisão minuciosa. Isso dá um forte indício, portanto, de que o livro era revisto e retrabalhado por uma comissão de escritores, tornando verídica uma tese tida como "absurda".

Juntando as peças, observa-se que o livro nem de longe foi psicografado. Chico escrevia bem, mas poderia ser mesmo incapaz de imitar muitos estilos literários. Porém, ele pode ter tido a colaboração de terceiros, como ele atesta em cartas para Wantuil, o que confirma a tese "mirabolante" dada por católicos tradicionais.

Portanto, se Parnaso de Além-Túmulo, tal como um crime perfeito, quis passar incólume sem deixar vestígios nem suspeitos, garantindo reputação alta como livro mediúnico e difusor de mensagens edificantes, falhou completamente, pois as próprias fontes defensoras de Chico Xavier deixaram vazar que o livro não passava de um pastiche montado com a ajuda do conselho editorial da FEB.

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