quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O falso Humberto de Campos que tentou impressionar a Justiça dos homens


A polêmica do suposto Humberto de Campos foi um verdadeiro litígio que deu início à mitologia de Chico Xavier, na medida em que o fato, tão inusitado para os padrões de compreensão da época, fez com que juristas e advogados praticamente deixassem passar o caso, enquanto o esperto anti-médium mineiro construía sua imagem de "profeta" e "espírito puro" que muitos até hoje acreditam dele.

Só que essa apropriação do espírito do escritor, que em verdade nunca teria escrito uma bobagem como Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, se deu de forma tendenciosa, depois que o próprio escritor, em vida, fez um comentário levemente irônico sobre Parnaso de Além-Túmulo, comprovadamente a fraude literária que não teria tido participação dos poetas do além.

Chico Xavier tentou alimentar sua mitologia quando o advogado da FEB, Miguel Timponi, lá pelos idos de 1944, acusou os herdeiros de Humberto, a viúva Catarina Vergolino de Campos e seus filhos, de quererem usurpar o dinheiro das vendas dos livros de Xavier atribuídos ao espírito do escritor.

A ação dos familiares do escritor falecido em 1934 consistia em averiguar se as obras atribuídas ao autor espiritual eram ou não realmente dele, e que, caso fosse, caberia a seus herdeiros, viúva e filhos, receberem parte dos direitos autorais das presumidas obras espirituais.

A Justiça julgou a ação improcedente, porque, no seu raciocínio, as obras passíveis de registro de direitos autorais se limitavam ao que seus responsáveis produziram em vida, não valendo para obras tidas como espirituais, que os juristas de então entendiam como "de domínio público". Houve um empate, que no entanto trouxe vantagem para Chico Xavier.

Com astúcia, a Federação "Espírita" Brasileira lançou, através de Chico Xavier, a mensagem supostamente atribuída a Humberto de Campos, sobre o processo judicial movido pelos herdeiros. O suposto Humberto, neste texto, reprovava a contestação de sua autoria, condenava a lógica dos fatos, atribuindo a ela "sensacionalismo" e "escândalo", e queria que mantivéssemos os "olhos no coração", ou seja, que acreditemos no que a FEB e Chico Xavier queriam nos fazer crer.

Em dado momento, "Humberto" chega mesmo a duvidar da intenção de seus familiares, embora tentasse, contraditoriamente, negar a suposta perversidade deles no processo. Contraditoriamente falando, porque ele negava a desconfiança que depois acabava afirmando: "Mas que paisagem florida, em meio do mato inculto, estará isenta da serpe venenosa e cruel?".

Um "Humberto de Campos" que preferia ficar ao lado de Chico Xavier do que de sua própria família. Para uma doutrina que mostrava uma falsa psicografia de Allan Kardec pedindo para ser descartado em benefício do rostanguismo - que a FEB depois renegava de maneira hipócrita - , essa manobra faz muito sentido, nessa doutrina em que supostos médiuns se acham donos dos mortos.

O trecho a seguir foi publicado originalmente no livro de Timponi, A Psicografia Ante os Tribunais e reproduzido por Suely Caldas Schubert em Testemunhos de Chico Xavier. Ambos os livros foram publicados pela Editora da FEB.

Possivelmente a mensagem pode ter sido escrita a quatro mãos por Wantuil de Freitas e Chico Xavier usando o nome de Humberto de Campos, pelo tom que mistura tristeza piegas com algumas passagens bastante enérgicas, como no parágrafo iniciado pela expressão "Quero, porém, salientar", em que o suposto autor se contradiz quanto à desconfiança contra sua própria família.

Note-se, além de passagens absurdas como o desprezo à própria identidade autoral ("Que é um nome, simples ajuntamento de sílabas, sem maior significação?") e a visão sentimentaloide do "espírito" condenando a ação judicial dos filhos - ele não cita a viúva - , o tom melodramático da mensagem, com o suposto Humberto "tristonho", diante do processo movido contra Chico Xavier.

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"Não desconheço minha pesada responsabilidade moral, no momento quando o sensacionalismo abre torrente de amargura em torno de minh'alma.

Recebeu-me a Federação Espírita Brasileira, generosamente, em seus labores evangélicos, publicou-me as páginas singelas de noticiarista desencarnado, concedendo-me o ingresso na Academia da Espiritualidade. E continuei conversando com os desesperados de todos os matizes, voluntariamente, como o hóspede interessado em valer-se da casa acolhedora.

Eis, porém, que comparecem meus filhos diante da justiça, reclamando uma sentença declaratória. Querem saber, por intermédio do Direito Humano, se eu sou eu mesmo, como se as leis terrestres, respeitabilíssimas embora, pudessem substituir os olhos do coração. Abre-se o mecanismo processual, e o escândalo jornalístico acende a fogueira da opinião pública. Exigem meus filhos a minha patente literária e, para isso, recorrem à petição judicial. Não precisavam, todavia, movimentar o exército dos parágrafos e atormentar o cérebro dos juízes. Que é semelhante reclamação para quem já lhes deu a vida da sua vida? Que é um nome, simples ajuntamento de sílabas, sem maior significação? Ninguém conhece, na Terra, os nomes dos elevados cooperadores de Deus, que sustentam as leis universais; entretanto são elas executadas sem esquecimento de um til.

Na paz do anonimato, realizam-se os mais belos e os mais nobres serviços humanos.

Quero, porém, salientar, nesta resposta simples, que meus filhos não moveram semelhante ação por perversidade ou má-fé. Conheço-lhes as reservas infinitas de afeto e sei pesar o quilate do ouro da carinhosa admiração que consagram ao pai amigo, distanciado do mundo. Mas que paisagem florida, em meio do mato inculto, estará isenta da serpe venenosa e cruel? É por isto que não observo esse problema triste, como o fariseu orgulhoso, e sim como o publicano humilhado, pedindo a bênção de Deus para a humana incompreensão.

Diante, pois, do complicado problema em curso, ajoelho-me no altar da fé, rogando a Jesus inspire os dignos juízes de minha causa, para que façam cessar o escândalo, em torno do meu Espírito, considerando que o próprio Salomão funcionasse nessa causa, ao encarar as dificuldades do assunto, teria, talvez, de imitar o gesto de Pilatos, lavando as mãos".

HUMBERTO DE CAMPOS (sic)

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