quarta-feira, 30 de julho de 2014

Professora denuncia "patrulhamento" contra espíritas autênticos

A PROFESSORA DORA INCONTRI FOI ACUSADA DE FAZER PROSELITISMO SÓ PORQUE INCLUIU ALLAN KARDEC NUM TRABALHO SOBRE PENSADORES DO SÉCULO XIX.

Foi publicado recentemente um artigo da professora universitária Dora Incontri, que denuncia a situação em que se encontra o chamado "espiritismo" brasileiro. Tanto pelo boicote de acadêmicos laicos ou de outras crenças e religiões quanto pela indiferença de pessoas que se dizem espíritas, a denúncia de Dora é um ponto a pensar.

Afinal, o chamado "espiritismo" brasileiro cresceu muito pouco ao longo dos anos. Com toda a pompa e mania de triunfalismo do suposto "espiritismo" da FEB, sua doutrina - a que deturpa as ideias de Allan Kardec em prol de um religiosismo retrógrado - só cresceu pouco mais de 1% no Brasil, mais de 70 anos depois do lançamento do ufanista Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.

As distorções que se fazem em relação à doutrina originalmente lançada por Allan Kardec, ele mesmo um pedagogo, discípulo de Pestalozzi e um dos modernos planejadores da educação pública infantil na França, fazem com que Dora enfrente situações um tanto surreais que ela descreveu no seu blogue.

Com vários trabalhos acadêmicos, incluindo uma tese de pós-graduação que a fez doutora e pós-doutora pela USP, e seminários dedicados à Pedagogia Espírita, ela resolveu, juntamente com seu colega Alessandro César Bighetto, elaborar um livro didático a ser implantado no ensino médio de Filosofia.

Avaliado por uma banca de especialistas laicos, o livro não foi aprovado para ser implantado pelo governo - não se sabe se ela se ela se referiu ao governo de São Paulo ou ao Governo Federal - por ter citado Allan Kardec entre os pensadores do século XIX, alegando que a educadora teria com isso feito "proselitismo religioso".

Dora, no entanto, o incluiu pelo fato de Kardec ter sido, antes de mais nada, um pedagogo e um defensor da educação pública. E isso ao lado de personalidades que também são consideradas religiosas, como Leonardo Boff e Madre Teresa de Calcutá, que não tiveram qualquer queixa da banca examinadora.

A educadora também se queixa da falta de apoio recebida pela comunidade dita "espírita". Ela não é convidada a fazer palestras e nem é assistida diante de situações enfrentadas por ela. Para a tese de doutorado na USP, ela contou com o apoio de um católico e uma judia, só para se ter uma ideia.

Embora o artigo seja um tanto controverso - há quem diga que é uma autopropaganda da autora - , é um texto pertinente sobre como está a situação do dito "espiritismo" brasileiro. Nosso entender é que Dora, embora citasse muito sua experiência pessoal, não realizou qualquer tipo de autopropaganda, apenas denunciando o descaso que ocorre em assuntos relacionados ao Espiritismo no Brasil.

POR QUE ISSO OCORRE?

As razões que fazem com que tais situações aconteçam é o desprezo que se tem às abordagens científicas ligadas ao Espiritismo. O próprio Allan Kardec não foi o primeiro a ser apreciado, já que no Brasil os chamados "espíritas" primeiro preferiram apreciar Jean-Baptiste Roustaing e seu catolicismo alucinógeno.

Tal desprezo de especialistas "laicos" se deve ao fato de que a Federação "Espírita" Brasileira, que primeiro assimilou as ideias de Roustaing para depois, diante de acirrada polêmica, atribuir as ideias deste a Kardec, transformou a Doutrina Espírita num engodo místico-religioso.

Para o bem e para o mal, Kardec passou a ser vinculado a ideias que o professor lionês não teria a coragem nem a sensatez de defender. Pior: além de estar falsamente associado a ideias delirantes e místicas sobre espiritualidade e religiosidade, Kardec ainda foi usado como suposto autor de mensagens apócrifas que mais parecem terem sido dadas por padres religiosos.

Isso faz com que Allan Kardec vire "refém" da ideologia espiritólica. A ponto de atribuir Chico Xavier a uma reencarnação posterior de Allan Kardec, com todos os absurdos que essa tese sem qualquer fundamento apresente.

E aí Kardec se reduz, no Brasil, a um reles pregador religioso. Seu trabalho intelectual é subestimado, mesmo diante do pedantismo pseudo-científico do "espiritismo" brasileiro, que em vez de fazer ciência só "faz falar", enquanto é vinculado a um moralismo religioso retrógrado, piegas, moralista e exageradamente místico.

Com isso, o que acontece é que, se Kardec se torna o totem manipulado pela FEB ao sabor dos interesses desta instituição, por outro lado ele é mal visto como intelectual, e inclui-lo dentro do movimento de pensadores que marcaram a Europa no século XIX - o chamado Século das Luzes, por causa da ampla difusão de descobertas e conhecimentos científicos - é tido como "proselitismo".

A grande incoerência nisso é que, no Brasil, tanto laicos quanto espiritólicos adotam uma postura negativa quanto a Kardec na sua condição original de pensador e pedagogo, impedindo que se ensine Pedagogia Espírita ou que cite Kardec nos estudos sobre a Filosofia no século XIX.

Isso é incoerente porque Kardec foi um educador, pensou a Escola Pública, analisava a pedagogia infantil e propunha ideias e mudanças no sistema de ensino, além de defender a educação gratuita e a modernização do método de ensino e aprendizado.

É o que se chegou ao ponto, depois de mais de um século de deturpações espiritólicas. Com o vínculo forçado do professor Allan Kardec a um religiosismo retrógrado, cria-se uma imagem que faz os laicos boicotarem projetos sobre Filosofia e Pedagogia porque citam justamente um filósofo e um pensador que erroneamente está associado a um pragmatismo radicalmente religioso. É um absurdo.

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