quinta-feira, 10 de julho de 2014

A coisificação do espírito


Infelizmente, no "espiritismo" brasileiro, impera a regra de que a mensagem espiritual só vale quando carregada de alguma mensagem religiosa, independente dela ter vindo realmente do espírito a que ela está atribuída.

A personalidade do espírito se torna apenas um mero detalhe, ante as "palavras de amor" que a mensagem mostra, sempre naqueles clichês panfletários de "amor e fraternidade", "luz e caridade". Sempre aquele papo de que o espírito sofreu, ele recebeu preces ou foi socorrido para uma colônia espiritual e aí ele encontrou a "fé em Jesus", blá blá blá, blá blá blá.

Da forma como são divulgadas as "mensagens espíritas", seja em supostos recados mediúnicos ou em obras artísticas em tese trazidas por médiuns, o processo de comunicação de espíritos, conforme a Teoria da Comunicação, sofre o que este ramo do conhecimento define como "ruído".

Segundo esta teoria, "ruído" é todo tipo de interferência que compromete o êxito do processo comunicativo, ou, na melhor das hipóteses, desvia o seu sentido original para um outro sentido diverso, sem qualquer relação com aquele outro sentido que foi afetado.

No caso da comunicação espiritual, o "ruído" já começa a partir da própria condição do médium do "espiritismo" brasileiro, que já em si subverte todo o processo comunicativo original, por romper com sua função original de intermediário de uma comunicação ao ser transformado na atração principal.

Na Comunicação, existe o emissor, a mensagem, o canal e o receptor. Uma comunicação espírita adequada teria como emissor o espírito de alguém falecido, que traz uma mensagem qualquer, através de um canal, que é o médium, para o receptor, que é aquela pessoa interessada em ouvir a mensagem do espírito do falecido.

Só que o "espiritismo" brasileiro rompeu com isso. E aí, vemos, em primeira instância, o médium, que é o canal - o "meio" - , transformado em emissor. O espírito falecido é que é transformado em "canal", e a mensagem vira qualquer nota, sempre dotada de apelo religioso e não necessariamente (ou, o que é provável, quase nunca) relacionada com o espírito do falecido.

Virou bagunça. O caso de Chico Xavier é bastante ilustrativo. Ele deixa de ser o intermediário, o "canal", e passa a ser o emissor, enquanto os demais espíritos a que estão associadas as mensagens divulgadas pelo mineiro passam a ser o "canal", na medida em que se submetem ao prestígio do médium e ao apelo religioso da mensagem.

O primeiro prejuízo desse processo comunicativo se dá porque o médium se torna a principal atração, deixando de ser o intermediário. Os espíritos acabam se servindo, real ou simbolicamente - quando apenas seus nomes são atribuídos a mensagens que teriam sido inventadas por outrem, muito comum no Espiritolicismo - , como atrações secundárias no evento em que o médium é que tem o destaque.

O segundo prejuízo está nas mensagens religiosas que se tornam uma obsessão, mais do que qualquer recado que o espírito do além possa nos dar. Em muitos casos, ocorrem fraudes em que terceiros inventam uma mensagem de apelo religioso e supostamente "amorosa" e atribuem a autoria ao espírito do além de sua "preferência".

Isso é grave, e, em ambos os casos, os espíritos do além são coisificados, reduzidos a meros objetos de propaganda religiosa, a meros instrumentos da vaidade do médium brasileiro, que se torna anti-médium porque deixa de ser intermediário, ou seja, "médium", no sentido comunicativo do termo.

Pouco importa se é realmente o espírito do além ou não. Os líderes "espíritas" até tentam dizer que sim, enquanto propagam mensagens religiosas que, no raciocínio deles, encaixariam tanto em freiras quanto em roqueiros, valendo tão somente pelas "palavras de amor e luz".

No entanto, isso faz perder o sentido da comunicação original. Até porque as mensagens acabam mais valendo pela evocação de preces, pelo assistencialismo religioso, pelo panfletarismo da fé, que não raro destoam das personalidades dos falecidos, pouco importando o aparente positivismo das mesmas.

Assim, o espírito de alguém falecido é, na verdade, afastado de qualquer processo comunicativo feito no Brasil. Não existe confiabilidade. É fácil os "ispritas" daqui se passarem por uma alma do além, mandarem mensagem de "amor e paz", e os espíritos originais, impedidos de darem seu recado, se afastam, envergonhados em ver terceiros se passando por aqueles.

E aí tudo fica comprometido. Já não é mais uma questão de saber se o espírito do falecido está bem ou não, mas uma questão de usá-lo para fazer propaganda religiosa, geralmente sob as escritas, pinturas ou vozes de terceiros, ou para alimentar o prestígio e o carisma de um suposto médium.

Este é o espírito da coisa do Espiritolicismo. Reduzir os espíritos do além a meras coisas que se servem para a pregação religiosa e para o prestígio do suposto médium. A verdadeira caridade torna-se, desta maneira, bastante prejudicada.

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