domingo, 15 de junho de 2014

O Espiritolicismo e a sua incapacidade de consolar, de fato, as pessoas


O "espiritismo" brasileiro não consola. Consolar não é apenas oferecer o lenço para enxugar as lágrimas dos outros, seja na forma literal, seja na forma metafórica de supostos textos espirituais que mais parecem consolos tardios depois da tragédia ocorrida.

É como tentar consolar alguém pelo leite derramado. Prejuízo feito, a vida em si já nos ensina a lidar com essa realidade com paciência, e aí vem aquele "espírita" querendo atrapalhar as coisas, dizendo "palavras de conforto" que não confortam.

Falsas mensagens espirituais, estranhamente padronizadas, dotadas sempre de um tom piegas, com pregação religiosa, por vezes sutil e por meio de expressões de cunho místico, como "luz", "preces" e outras coisas, foram outros aspectos estranhos às personalidades dos falecidos. Se são "palavras de amor", vale até falsidade ideológica.

Isso transforma as pessoas? Não. Às vezes até perturba, cria falsas surpresas, as pessoas levam gato por lebre e recebem mensagens supostamente de seu ente querido que, na verdade, teriam sido enviadas por um farsante de lá ou de cá (neste caso o suposto médium).

Um "médium" anti-médium - porque, em vez de ser o intermédiário dos contatos com o além, acaba sendo o centro do espetáculo "espírita" - não realiza grandes transformações só porque divulgou uma suposta mensagem de alguém.

Se fosse realmente uma mensagem de um espírito falecido, sem que esta necessariamente seja dotada de algum tom docilmente religioso e restrito ao panfletarismo espiritualista, tudo bem. Como as mensagens que os médiuns consultados por Allan Kardec haviam feito e que ele registrou nos seus famosos livros.

Mas o que se vê no "espiritismo" brasileiro é uma indústria de "consolos" fáceis, em que o teor de novidade e um certo ranço sensacionalista aliado ao clima de emotividade forjado fazem com que as pessoas se comovam facilmente com as coisas.

Se, por exemplo, vier o espírito de um farsante, habilidoso imitador da voz de Jair Rodrigues, entrar numa psicofonia e, emulando os trejeitos do saudoso cantor, vier a cantar "Disparada", pouco importando os detalhes que indicam que a voz não é de Jair, mas de um imitador. Se a mensagem é "carregada de amor e paz", para os espiritólicos vale tudo.

E que transformação faz apenas divulgar mensagens espirituais? Há uma centena de homens, alguns deles ateus e outros bem menos badalados, que fizeram muito mais do que Chico Xavier, o "homem-amor" que culpou as pobres vítimas do incêndio do Gran Circo Norte-Americano, em Niterói, em 1961, de terem sido romanos sanguinários, coisa que o Profeta Gentileza não faria.

Há homens que, mais do que consolar, trabalhavam para melhorar as pessoas, educando, resolvendo injustiças, dando um incentivo que vai muito além das letras mortas da suposta fraternidade espiritualista. Gente que liderava multirões, que lançava projetos de emancipação social, que divulgava ideias e convidava seus leitores e ouvintes a pensar, gente que fez muito, muito mais pelo próximo.

Se é apenas para alguém dizer "não chore", diante de alguém angustiado, então é melhor que não se diga. Fica a mesma coisa patética de quando o repórter chega a alguém que está sofrendo e pergunta "por que você sofre?".

Quanto se ouviu, das pregações "espíritas", de pretensas mensagens de consolo que mais parecem acintosas ou constrangedoras, porque, numa sutil hipocrisia, menosprezam o sofrimento das pessoas com declarações de um otimismo que soa cínico, do tipo "não sofra, você já recebe muitas bênçãos", "não fique triste, seu ente querido vive".

A primeira frase nem é para ser dita, porque o "espírita" acaba sendo ofensivo quando declara que as pessoas sofredoras são "abençoadas" ou que "receberão a luz do Alto", porque soam como mensagens de ânimo que apenas agridem as pessoas que, por enquanto, só conseguem reagir em prantos diante da tragédia repentina.

Já a segunda frase é como chover no molhado e pouco diz à tristeza da pessoa. Até porque perder um ente muitas vezes não é só perder uma pessoa, mas afetar toda uma rotina de vida, criando complicações e desprazeres, deixando "lacunas" irreparáveis que só serão parcialmente resolvidas, se forem, por outra companhia.

Por isso o Espiritolicismo, quando quer consolar, acaba desolando. E ainda temos uma Joana de Ângelis que não suporta ver gente chorando. Qualquer Amigo da Onça é capaz de mensagens assim, e quando se tenta consolar alguém desse modo, se está mais atrapalhando do que ajudando.

É muito melhor deixar a pessoa no silêncio de sua tristeza e auxiliá-la na companhia discreta. Seria melhor não tentarmos insistir com palavras de consolo, só esperando que a pessoa supere sua tristeza profunda para dar algum conforto. Até porque é muito chato alguém, na sua tristeza profunda, ouvir de outra pessoa coisas como "não fique triste, amigo", que mais constrangem do que consolam.

Muitas vezes somente os sofredores sabem das razões de suas tristezas e toda ajuda, sim, é necessária para consolá-lo, mas não necessariamente com palavras prontas. Devemos respeitar a tristeza sofrida e criar condições para que ela seja superada, tomando cuidado e sem forçar alguma alegria, otimismo ou conformação quando a angústia e as lágrimas tomam conta da pessoa que sofre.

A alegria forçada intimida, constrange e, não raro, entristece cada vez mais e o consolo forçado mais leva a pessoa à depressão, com o sofrimento ignorado por outrem que se limita a transmitir ao sofredor palavras "afetuosas" que se tornam impróprias, até porque é preciso que respeitemos as pessoas sofredoras em suas tristezas para depois estimulá-las, com muito cuidado, a se recuperarem.

Deve-se ajudar na proteção, na assistência, no amparo, no socorro, mas sem dizer coisas como "a tristeza de hoje é a semente da felicidade futura". Fiquemos discretos e respeitemos as lágrimas alheias, até porque será a própria pessoa, no seu livre arbítrio, que irá dizer se tem ou não condições de superar suas próprias tristezas.

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